Base Epistemológica do Socialismo


Este Artigo se impõe a tarefa de fazer uma apresentação em 5 pontos da Filosofia Socialista, que este autor defende. No primeiro, falaremos sobre o Ecossocialismo e como enxergamos a interação que advogamos entre os seres vivos . No segundo, falaremos sobre a constituição ideal dos seres humanos e as propostas que temos para a Família Humana. No terceiro, falaremos sobre a gênese da Ética e do Direito e como fundamentamos a Ética Utilitária de Bem-Comum, a que defendemos. No quarto, nos embrenhamos no Utilitarismo para explanar as justificativas que nos levaram à adoção dos valores que compõe nossa Ética, em detrimento de vários outros. E, por último, no quinto, passamos as justificativas que nos levam a compreender que a adoção do Sistema Socialista favorece mais os interesses da Ética de Bem-Comum do que outros sistemas alternativos, como o Capitalismo, Escravismo, Feudalismo, etc.

Então, shall we begin (começemos)?
(1-5): Do Relacionamento Entre Seres Vivos e Do Ecossocialismo:

Do pouco que sabemos sobre o universo em que vivemos, está claro que a matéria e a energia estabelecem constante relação de atrito. Seja com um simples meteorito chocando-se com uma lua de algum planeta qualquer, seja com um castor sendo infectado por uma bactéria, seja com o leão perseguindo o cervo com o intuito de devorá-lo.

Esse atrito a que nos referimos não se eximiu de tocar a matéria viva, estabelecendo entre os elementos vivos na Terra um grau de competitividade acirrado. Como a Evolução não é direcionada e não tem causalidade racional superior, as moléculas foram se arranjando e as espécies foram se agrupando num ecossistema que as formatou numa rede complexa de interações de forma dependente chamada de metabolismo biogeoquímico.

Ou seja, há uma cadeia alimentar permeando as relações dos indivíduos e estes que são bioquimicamente ordenados para cumprir o propósito de se reproduzir e sobreviver. Esta cadeia alimentar postula que para que um indivíduo obtenha energia para se manter vivo, este precisa (a maioria) absorver as células vivas de outros organismos vivos, degradando suas constituições através do anabolismo e catabolismo. Há também competitividade no que se refere à reprodução, busca por alimentação e o perigo de que a existência daquele outro elemento vivo, de uma população ou mesmo uma comunidade biológica crie situações em ato ou potência que coloquem em risco a vida do organismo configurado para sobreviver, comprometendo assim a sua segurança.

Importante também é citar que o estabelecimento (estudado pela Ecologia) das relações entre os seres vivos e a aliança que estes estabelecem entre aqueles que não oferecem risco imediato para aumentar a probabilidade de sobrevivência (evidentemente sobrevivência aqui engloba uma série de sub-itens, como se alimentar, se proteger de predadores) e de reprodução. Nos indivíduos dioicos, especialmente nos amniótas, esse grau de interação ganhou proporções e complexidades espantosas, desde as chamadas populações de peixes, pássaros, búfalos ou alcateias, até os nichos ecológicos comunitários com mutualismo, comensalismo, etc.
A natureza é amoral. E, assim como o leito de um rio, segue um trilho aleatório a partir de princípios e leis que nem sempre favorecem os postulados de Bem-Comum, o mesmo ocorre com o ecossistema.

Moral, Valor ou Importância só existem porque seres vivos existem. Sem seres vivos, a Terra seria uma mera rocha espacial. Nem relevante, nem irrelevante. Nesse cenário, Ecossocialistas veem a vida como particularmente singular. Um evento biogeoquímico raro com informações preciosas que necessitam de cuidado e preservação. Todas as vidas? sim. Até as das bactérias e ratos? Sim. No plano deontológico e teleológico, sustentamos e defendemos as propostas da Ética de Bem-Comum, que não é senão o sistema ético que, em qualquer que seja o cenário, objetivamente melhor oferta império da vida sobre a natureza e a consequente síntese da satisfação das suas necessidades utilitárias e elementares (a tendência a socializar, a desejar expandir-se, evoluir, ser livre, transitar de um estado de menor satisfação para um estado de maior satisfação, etc).

No plano do arranjo social, ou seja, de interação entre indivíduos racionais, temos propostas no plano do Direito, da Ética e da moral que sustentaremos mais abaixo. Mas, o objeto da análise aqui orbitará em redor das propostas para a natureza.

Voltando, essas propostas põe veganos em conflito direto com a forma como a vida foi organizada evolutivamente em nosso planeta. Em que pese o reconhecimento de que isso é verdade, também é verdade que tentar extrair (Falácia do Apelo à Natureza) moral da atual configuração da natureza enquanto tal desemboca em Falácia non sequitur, já que não há conexão imediata entre natureza e moralidade. Não é porque é de nossa natureza comer carne de outros mamíferos (somos onívoros) que isso é em si mesmo bom, justo ou certo. Doenças são naturais e, geralmente, não se reputa a elas o ônus de uma moralidade positiva.

Portanto, a adoção dessa perspectiva Ética que seguimos impele à única espécie racional sobrevivente - nós -, abarcar(mos) a responsabilidade de guardiões da natureza, dos ambientes favoráveis à vida e de todas as formas de vidas e (nos) impor a tarefa de guardar e preservar as formas de vida enquanto informações raras no universo; (Ir, portanto, contornando as bestialidades da natureza). É importante salientar que negamos que haja uma hierarquia ontológica nas espécies. Não reconhecemos a espécie humana como superior ou inferior a qualquer outra, exceto na lógica circunstancial que envolve a Filosofia de Bem-Comum (ou seja, somos nós - por enquanto - os únicos arranjos capazes de apreender razão, logo, não seria interessante eleger o boi como tutor da vida, mas este caminha automaticamente para o lugar de tutelado).

Esta tarefa de Proteger a Vida com suas devidas condicionantes naturais nos faz utilitariamente hierarquizar as diferentes formas de vida a partir de critérios bem estabelecidos que tendem a ser maximizados à medida em que nós mesmos progredimos como dominadores da natureza através da Ciência e progressivamente trabalhemos para dela abolir as Cadeias Alimentares.

No topo estão os seres humanos, como única espécie racional conhecida e a única, por consequência, capaz de ser protetora das espécies irracionais enquanto seres que são, assim como bebês ou deficientes humanos, incapazes juridicamente. Depois teremos as espécies encefálicas, vertebradas e mamíferas, reconhecidas como aquelas bioquimicamente mais complexas e, portanto, mais importantes. Segue-se as plantas, organismos mais simples como artrópodes, anelídeos e nematelmintos, seres menos complexos como os unicelulares e, finalmente, os semi-vivos como os vírus e mimivírus.

A resolução dos conflitos entre esses seres vivos (dentro de um contexto de existência de cadeias alimentares) levará em consideração os critérios da complexidade inerente do ser vivo envolvido (um boi e uma formiga analisados per si), da complexidade relativa do ser vivo envolvido (no conflito entre um ser humano e o o último gorila macho da Terra, por exemplo, a vida do gorila deve ser prioridade), da ausência de alternativas para evitar o conflito (ao invés de matar a aranha, procure capturá-la e soltá-la em algum matagal, se possível) e da intervenção humana no processo. Seja como for, remover a vida de um ser vivo nunca deve ser fonte de alegria e sempre deve ser pautado pelo Princípio de Proporcionalidade (daí porque condenamos o consumo de carne, o uso desse alimento para fins de festejo, como um churrasco e, especialmente, a utilização da vida das outras espécies em manifestações culturais degeneradas e sem razão-de-ser, como rodeios, vaquejadas ou touradas). Somos melhores do que essa pequenez. :) Ame e proteja os indefesos.

(2-5): Da Constituição dos Indivíduos e Da Família:

Trouxe a evolução das espécies e a dinâmica brutal da engrenagem histórica que a única espécie viva atualmente fosse o homo sapiens sapiens, que impôs-se sobre os demais hominídeos racionais e semirracionais sob extinção e/ou fundiu-se com eles via acasalamento.

Essa espécie carrega de fábrica algumas características interessantes sobre as quais vale a pena pensar. Na ordem primates, da qual fazemos parte, os mamíferos são placentários, o que condiciona o surgimento daquilo que chamaremos de famílias, ou seja, o indivíduo é gerado no ambiente intra-uterino da gestante e, ao nascer, permanece sob os cuidados desta - pelo menos no nosso caso - até que atinja um grau de autonomia e de independência. Por sua vez, um dos progenitores dentro da orbe dioica é compelido dentro do panorama genético-hormonal/instintivo a cuidar do nascituro e do nativivo, o que demanda uma intensa e complexa interação entre ambos por um intervalo de tempo que varia.

Essa interação foi ressaltada na Família Hominidae pela seleção natural, que se deparou com um dilema: reduzir o tamanho do encéfalo do homo erectus para que ele passasse pelos quadris da fêmea na idade propícia, consequentemente reduzindo seu crescente grau de racionalidade ou ejetar o feto para fora do útero antes da idade propícia (prematuros), mas preservando o tamanho do seu encéfalo. A seleção natural atuou no sentido de privilegiar esta última, o que acarretou no ônus de que nossa prole ficou muito dependente dos progenitores, embora bem mais inteligente na idade adulta. Para se fazer uma comparação, uma onça pintada atinge a idade adulta aos 2 anos, já um ser humano residente no Brasil necessita legalmente de 18 anos (e alguns muito mais, rs). Isso foi muito bom do ponto de vista da interação grupal. Se tivesse ocorrido diferente, hoje seríamos muito mais egoístas do que o que somos.

Claro, que estamos cortando tooooda a discussão envolvendo Epistemologia e a Origem do Conhecimento e os Trabalhos de Paleontologia e Neurociência que irão versar sobre a inovadora capacidade de novas espécies que surgiram dentro da ordem primates - como os homo neardenthalis, os homo heidelbergensis, os homo habilis e os homo sapiens sapiens (a gente) - de armazenar informações com uma sofisticação muito maior... Tal discussão irá se pautar sobre os primórdios da racionalidade e demandaria realmente muito tempo, então, pulemos...

Aqui temos a progenitura da família. Observa-se na natureza que um grande número de espécimes está configurada para abandonar seus progenitores logo ao nascer ou pouco tempo depois. Definitivamente não é o nosso caso.

Quem já assistiu o desesperador Planet of the Aples (Planeta dos Macacos) de 1968, com sua veemente crítica à guerra fria, certamente ficou impactado com a cena do final do filme (alerta para spoiller, rs) quando o personagem Taylor chega ao deserto do planeta dos macacos, no sítio arqueológico, e descobre a estátua da liberdade enterrada na areia, constatando com horror que, na verdade, não viajara para um planeta desconhecido e sim para a América o futuro, em que a humanidade havia sido destruída e ele era o único ser humano racional que restou.

O filme entrou para a história do cinema porque mexe de maneira muito criativa com um instinto básico do ser humano, o coletivista. Somos homo socialis, isso significa que, em geral, gostamos de viver em comunidade, agrupados e odiamos a ideia eremítica. Aqueles de nós que costumam, mesmo dentro da sociedade, estar isolados, costumam adquirir doenças psicológicas sérias. O nível de dependência familiar mencionado propiciou em nossa espécie o desenvolvimento de um hormônio pelo sistema endócrino denominado ocitonina, que é uma substância muito relacionada com aquilo que chamamos de 'empatia' - ou seja, a capacidade de gostar do outro, de sentir a dor do outro, de querer ajudar o outro. O mais interessante é que a sua função primordial não é essa. Originalmente, a ocitocina é liberada, nas mulheres, durante as contrações uterinas do parto e durante a ejeção de leite nos anos de amamentação; já nos homens, é principalmente liberada durante o contato físico com sua prole.

Em síntese, é direcionada aos filhos, mas também tem importância em parceiros de longa data. Trata-se, portanto, de um belo recurso biológico para que cuidemos das relações duradouras e da descendência que delas resulta. Em todos os indivíduos vivos hoje e que vivem em bando, percebe-se uma grande cooperação entre os membros do bando e o desenvolvimento natural de determinados mecanismos colaborativos que corroboram para a um sistema de integração na busca por alimentos, abrigo, proteção contra predadores, etc. Mas não é novidade que temos afeição especial pelos familiares mais próximos - é uma estratégia que nos garante bons resultados, dada a reciprocidade e a segurança resultantes. Nesse círculo mais íntimo, é possível ver as maiores atitudes consideradas altruístas, bem como a proteção familiar que beira o nepotismo.

Poderíamos ter moralidade sem um senso de empatia? Em outras palavras, teríamos comportamentos morais sem a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro? É improvável, até porque é assim que vemos psicopatas ou sociopatas: como pessoas que nunca tiveram ou que perderam a capacidade de se desprender de seus interesses mais mesquinhos em proveito do não-sofrimento alheio. A empatia - relacionada à ocitonina -, portanto, é a expansão desse carinho dedicado aos familiares próximos e aos distantes por mecanismos de associação. Já dizia Dale Carnegie que "uma bolha no próprio pescoço interessa uma pessoa mais que quarenta terremotos na África".

O egoísmo e interesse prioritário pela satisfação das nossas necessidades, portanto, fazem em menor ou maior grau parte de nossa configuração biológica. Para além disso, o interesse prioritário e egoísta pela satisfação das necessidades do nosso círculo de convívio mais próximo também integra nosso atual patrimônio genético. Ao compreendermos a ocitocina e sua interação com outros hormônios e os genes, poderíamos usá-la para termos resultados mais (ou menos) empáticos em todas as pessoas. Como consequência, seríamos todos mais (ou menos) empáticos e tenderíamos a escolhas moralmente mais (ou menos) adequadas (a observar determinado panorama teleológico).

Em algum momento, esses hominídeos socialis e que eram nômades caçadores-coletores começaram os primeiros processos de sedentarismo. As cidades começaram a ser construídas no Baixo e Alto Egito e na Mesopotâmia, aqui, já estamos no Neolítico, graças ao surgimento das cidades e da Revolução Agropastoril, a Demografia nas cidades passou a crescer em demasia e a acentuação da estratificação social (e do cooperativismo) fizeram-se notar.

Uma vez que entendemos (rever ponto 1.5) que a configuração natural biológica nos ordenou a certo arranjo, mas que isso não implica que ele seja bom, certo ou justo, passamos neste momento a fazer um juízo de valor sobre o status da conceição dos corpos humanos e das famílias no florescer dos homo sapiens, colocando nosso ponto sobre seus aspectos positivos e negativos.

Primeiro, sobre os corpos individuais, subscrevo o conteúdo deste Artigo a respeito da Eugenia. Sobre os demais aspectos, sigamos na exposição.

(3-5): Utilitarismo, Ética e Direito:

As Bases Fundamentais do Socialismo alicerçam-se num reconhecimento humilde da pequenez da humanidade frente ao espaço e ao tempo enquanto motores históricos. Reconhecemos que os indivíduos da espécie sapiens são bolotas biológicas de carne e sangue que se espetadas, vazam e morrem e que estão programados para sobreviver, reproduzir (não necessariamente nessa ordem e também não é uma regra absoluta, pois temos muita gente na sociedade que não quer ter filhos ou é suicida, por exemplo), cada uma dessas condicionantes genéricas desdobra-se em uma série de necessidades que buscamos suprir, saindo de um estado de menor satisfação para um estado de maior satisfação. Além disso, temos uma série de outras necessidades derivadas de instintos que herdamos (todas relativas, sem sentido absoluto e arbitrárias) como viver em sociedade ou assistir nossa espécie dominando a natureza, etc.

Há no cosmos a imposição da escassez. Nessa imposição, temos necessidades e instintos (sobre os quais já falamos) sob uma realidade de atrito, conflituosa. Nessa realidade, a violência se impôs a nossa espécie através de um ditame da natureza: o Princípio da Força, que estabelece que o mais forte subjuga o mais fraco em ato e/ou potência, se for da vontade daquele. Por Força, aqui, referimo-nos ao conjunto de recursos de que A dispõe para impor-se com violência em relação a B e/ou resistir à natureza. Temos dois pontos a destacar aqui: o primeiro é que consideramos uma grande variedade de recursos que auxiliam nesse processo de imperatividade, como a força muscular, a capacidade bélica, os caninos, as garras, a velocidade, a razão, a astúcia, a altura, as habilidades, a capacidade de convencimento, o uso do ambiente, etc, etc, etc, etc... A segunda é que a força é um processo sintético de relacionamento dos litigantes uns com os outros e de todos com a própria natureza/meio externo. Então, quando Tício peleja contra Mévio - desarmado e sem conseguir levantar - no final "daquele" filme e termina por se desequilibrar e cair de um penhasco, Mévio foi mais forte porque, na disputa entre ambos, Tício não possuía asas ou outros recursos que lhe possibilitassem impor-se contra Mévio e resistir à natureza simultaneamente.

Assistimos esse princípio em ação quando Plutus acha um osso na lixeira. Brutus considera o osso suculento e deseja satisfazer sua necessidade com aquele osso sob posse de Plutus. Brutus é mais forte e violenta Plutus, utilizando a violência como instrumento para subtrair o osso em seu proveito. Na ordem primates, da qual nós fazemos parte, a cooperação em determinadas espécies (como os chimpanzés, os bonobos e, claro, a gente) é bem mais complexa. Os membros do grupo desenvolvem hierarquias e lideranças e, algo que rudemente, lembra um sistema de governo. Como os bandos vivem juntos, cabe a cada um buscar fortalecer suas chances de sobrevivência aumentando progressivamente a unanimidade do grupo. De certa forma, isso também é visto em matilhas de lobos, leões ou ainda de bonobos, chimpanzés que ascendem líderes e se relacionam numa dinâmica de agressões, dominações e violências onde um subjuga o outro e toma o poder de liderança, anexa ou perde territórios, etc.

Isso também se aplica, claro, aos australopithecus, com o processo de deformação das florestas no oriente africano e as espécies sendo obrigadas a se adaptarem às savanas (processo que privilegia o bipedismo), os australopithecus sobreviviam com o processo de colaboração entre os membros para, por exemplo, descerem de uma árvore e, em conjunto, enganarem predadores, até que conseguissem chegar à outra árvore, no auxílio, utilizavam paus, pedras ou coisas do tipo... Esse processo de colaboração entre os membros de uma determinada população favoreceu o surgimento de uma moralidade, afinal, numa vida em conjunto, aos poucos, cada indivíduo carregava sobre si determinadas funções que precisava desempenhar.... Era o “certo” e o “errado” em seu nascedouro.

"Então, a primeira zebra que pensou, observou que se não zurrasse quando notasse um predador para avisar suas amigas, teria mais chances de sobreviver... Assim nasceu a maldade". - Sam Harris

De modo que, uma vez que somos homo socialis e mamíferos que vivem em bando, quando desenvolvemos a habilidade de racionalizar o porquê das coisas (um processo biohistórico lentíssimo), já existia sociedade e Estado. E, nesse cenário, limitamo-nos a processar progressivamente respostas (as vezes mitológicas) questionando realidades e princípios da vida (como o da Força) que eram anteriores, exteriores e coercitivas a nós mesmos: por que morremos? por que nascemos? como as crianças surgem? por que devemos entregar parte de nossos alimentos aos silos do Faraó? por que precisamos comer?

A partir da dinâmica da violência, temos a imposição de normas arbitrárias, violentas, coercitivas, impositivas, relativas, culturais, que se modificam no tempo e, no mesmo tempo, modificam-se no espaço... essas normas legitimam a criação de direitos, dentre os quais, propriedade privada e Estado.

E o que é uma Norma Jurídica??
É a conjunção de duas proposições de causa-consequência unidas arbitrariamente pelo ente violento, que segue o script/fórmula: Se F, → P. Se ¬P (leia-se não-P), → S, onde:
F → Fato Juridicamente Relevante.
P → Prescrição
S → Sanção.

Explicando melhor: imagine um raio que caiu no mar, esse é um mero Fato da Natureza, mas se esse mesmo raio cair na ponte da aldeia, esse será um Fato Juridicamente Relevante. A distinção entre um Fato e um Fato Juridicamente Relevante são os valores que cada um de nós tirou da bunda, pois, do que sabemos, não há evidências que PROVEM que X valor é errado, certo ou que varia... As pessoas observam um Fato da Natureza. A esse Fato dão status de Juridicamente Relevante e, sobre ele, jogam diferentes valores. (1) Devemos taxar os ricos para consertar a ponte; (2) devemos privatizar a ponte; (3) devemos obrigar os escravos a consertar, (4) devemos destruir a ponte e a humanidade, pois esta é a vontade de Thor.... esses valores guerrearão e aqui entra o mecanismo da violência e aquele mais violento dominará os demais, se apoderará do poder e converterá sua arbitrariedade valorativa em norma.

Ou seja, se F (ex: um raio caiu na ponte da aldeia), então P (ex: os escravos devem consertá-la). Se ¬P (os escravos não consertarem a ponte), então S (devem receber 50 chibatadas todos os dias, por 7 dias).

A norma é arbitrária, pois precipita-se a partir de uma incisão de Valores Relativos sobre Fatos Juridicamente Relevantes. Daí resulta uma Prescrição, cuja não observância resulta em Sanção, via violência. Esse instituto de Violência/Poder (P) é o elemento de Legitimidade do próprio Estado, fonte de normas positivas.
Aqui cabe esclarecer que legitimidade aqui está sendo empregada no sentido durkheiminiano: submissão do organograma social – ou seja, o grupo como um todo - à orientação do reconhecimento de existência de Força coercitiva, exterior e anterior, ofertando ao ente violento o conjunto de dispositivos que criam um Sistema Opressivo Minimamente Ordenado. Weber usa o conceito de legitimidade de Durkheim para postular o elemento que constitui a violência do Estado. Ou seja, Legitimidade é determinada pelo domínio e consciência psicológica, subjetiva do conjunto social. É importante mencionar o seguinte: (1) Legitimidade não é em si mesma necessariamente uma palavra ou um conceito eivado de positividade moral. Portanto, não deve ser associado a “Bom” ou “Certo”. Ser Legítimo significa apenas e tão somente que a violência conseguiu dobrar, domesticar determinados subordinados. (2) a Legitimidade depende apenas da subordinação em corpus e animus, não necessitando especificamente da anuência do submetido. (3) A Legitimidade é dada não por um ato volitivo do dominante, mas por uma contrarreação passiva do dominado. Num anarquismo tipo The Walking Dead, você toma posse de um galpão com 10 amigos seus, todos armados. O pessoal do outro lado da rua tá com fome, frio, têm feridos e adorariam tomar seu galpão bem protegido e com suprimentos, mas eles sabem que vocês têm armamentos e não se atrevem a tentar invadir. É essa consciência desperta (animus) nos coleguinhas do outro lado da rua que faz com que a propriedade privada seja legítima.... Maiores detalhes ler Sociologia da Dominação de Durkheim.
(4) Legitimidade é diferente de Lidimidade, que é a submissão avaliada sob o prisma de violência em relação ao indivíduo isoladamente considerado em relação à Força Coercitiva que o subjuga, mas que não corresponde necessariamente à consciência de sustentação do Conjunto Social (Legitimidade).
Explico a Distinção: 
(I) Eu sou escravocrata e compro no mercado negreiro 5 africanos que acabaram de descer das galés.
Esses negros integram meu patrimônio de escravos, que somam duzentas cabeças, tirando os idosos, mulheres e crianças, todos dóceis as minhas determinações. Para além disso, há os meus colegas vizinhos, os habitantes da cidadezinha mais próxima da minha fazenda e as leis do meu país que orientam o organograma social no sentido de reconhecer o vínculo de direito daquela propriedade como minha. Portanto, disponho de Legitimidade. Contudo, não há Lidimidade porque os cinco negros são indomesticáveis, rebeldes, tentam fugir, dão trabalho, ou seja, o fator subjetivo-individual não está presente e é possível que nunca esteja.
A legitimidade está associada a esse fator subjetivo presente no dominado.
Veja, eu posso ser bruto como for com os negros. Eles podem morrer apanhando no tronco e não se submeter, eu nunca alcancei a Lidimidade em relação a eles.

(II) Um ancap sente-se estuprado quando tem que pagar impostos, mas não sai por aí atirando na guarita de um quartel do Estado. Porque sabe que se fizer isso, o Estado enfiará 3 bananas nele. Porque ele sabe que é submisso ao Estado no sentido de que seria esmagado se tentasse se rebelar individualmente.

(III) Da mesma forma, esse mesmo ancap reagiria a um assaltante. O que distingue os dois agentes coercitivos – Estado e Assaltante – é que o Estado possui legitimidade e lidimidade, já o assaltante possui apenas lidimidade. Ou seja, a violência do assaltante é atomizada se comparada à violência institucional e metódica do Estado. De modo que o assaltante rouba o ancap e tenta fugir.... Contudo, sobre o assaltante e o ancap há a violência do Estado (e, portanto, de seus exércitos, de sua Armada, de suas polícias) que nos rege a todos e que se impõe por sobre cada um isoladamente considerado. Neste caso, o ancap liga 190 e o Estado enfiará uma banana no assaltante, submetendo-o à sanção que ele, o Estado, achar cabível.

Não existindo evidências para postular existência de direitos naturais, entendemos que você nasce, você acontece e você está aqui. Então, você usa a violência privada para buscar a felicidade e suprir as necessidades, como as da Pirâmide de Maslow. O relacionamento do agente com bens é uma relação de arbitrariedade com o meio, em que o elo de ligação é mera abstração mental. Você vê uma árvore de maçãs e diz que aquela árvore é sua. Ou poderia dizer que o Brasil é seu, ou mesmo o universo... Mas, a propriedade privada não existe de fato. Ela é uma mera abstração que a mente racional aplica sobre grandezas distintas quando, na verdade, não existe absolutamente nenhum fio ou um elo que una naturalmente o indivíduo à propriedade privada. Daí que o elemento legitimador da propriedade é a força (violência) e, nesse sentido, concordamos com Durkheim e com Weber, sendo o Estado a instituição ou o conjunto de instituições que, unidas, detêm o monopólio do uso legítimo da violência.

Nesse cenário de valores relativos e arbitrários que tentam se impor uns sobre os outros, o Utilitarismo é um conversor da Ética em Instrumental apático que seleciona as proposições de dever-ser que objetivamente mais satisfazem, são mais propícias a determinado valor. As correlaciona, coordena, sintetiza, filtra, classifica, cataloga e relaciona num sistema coeso e que está para qualquer sistema ético, seja a Ética Católica, Liberal, de Bem-Comum, Islâmica, de não-Agressão, etc. (embora alguns neguem tolamente isso). Aqui, defendemos as propostas da Ética Utilitária de Bem-Comum, especificamente, que se propõe a ordenar as genéricas necessidades elementares da vida, fugindo da dor e perseguindo o prazer, e estabelecer qual conjuntura social é a mais proveitosa para satisfazer o máximo dessas necessidades do máximo possível de indivíduos, como Stuart Mill bem demonstrou. Tudo se restringe a algo do tipo: queremos X (sobreviver, reproduzir, viver em sociedade, etc) sob condições Y (limitações naturais), portanto, devemos fazer Z (sistema social mais vantajoso). Z não é absoluto, é relativo.... mas é objetivo e acreditamos que Z é o socialismo. Contudo, esta é um fase do debate que deve ficar para outro momento. Voltemos para os pressupostos epistemológicos.

Portanto, os sistemas que tecem suas ideologias partindo do pressuposto de que suas ideias emanaram de direitos naturais não gozam de nossa estima, pois reputamos como inexistentes as evidências que respaldam a tese de que direitos naturais existam. Do que sabemos sobre o cosmos, entendemos os Sistemas de Direito como dados culturais: criações fundamentalmente arbitrárias e artificiais da humanidade. Naturalmente, você não tem direito a nada.... simplesmente porque eles, os direitos, não existem. Tem um corpo biológico fruto de arranjos moleculares e tem racionalidade, que é uma habilidade fruto de um cérebro avantajado que cresceu demais por causa da seleção natural... o Sartre, um socialista, dizia que o ser humano é como um besouro rodando sem parar em torno de uma luz e achando que a luz existe porque ele precisa dar voltas em torno da luz, logo, naturalmente, a luz foi criada para ele. Esta é, acreditamos, a postura daqueles que clamam, sem evidências, pela existência de direitos naturais.

Há uma resistência psíquica fruto de uma negação infantil em ver a si mesmo como existente e tão naturalmente relevante quanto o sol, uma zebra, um meteoro, uma galinha, um planeta distante, uma bactéria, etc. Teria a pedra o direito natural de não ser jogada no Rio ou de não ser transformada em um assento? Ou teria a galinha o direito natural de não virar creme?

À medida em que entendemos o Direito como criação humana, reconhecemos por conseguinte que a auto propriedade não existe naturalmente, embora seja estabelecida artificialmente mediante uma conveniência utilitarista que também legitima várias outros sistemas de normas de conveniência, inclusive o Socialismo. E cada indivíduo não é proprietário de si mesmo (naturalmente) porque não existe propriedade natural, assim como não há direitos naturais. Novamente, você só existe, como uma pedra, como o sol. Como auto propriedade não existe, também não há propriedade privada natural fruto de qualquer ação que o homem empregue sobre o entorno.

Como:
1 - não há evidências de que direitos naturais existam e nada pertence naturalmente a alguém;
2 - todos os elementos da norma são arbitrários, violentos, impositivos, coercitivos, relativos, culturais, positivistas... Quem tem o poder pode inserir o que quiser na prescrição, nos fatos juridicamente relevantes e na sanção, logo, até onde sabemos, o F, P e S que você mais preza é tão arbitrário, violento, impositivo, coercitivo, relativo, cultural e positivista quanto qualquer outro F, P e S que qualquer ditador sanguinário já cagou por aí;
3 - podendo (não confundir poder com dever) qualquer Estado tomar a força uma propriedade que se diga pertencer a um indivíduo ou mesmo a outro Estado;
4 - E, se é assim, se o Direito é um dado cultural, um mero exercício de dominação de uns sobre os outros, então, ficamos todos numa posição em que nos encontramos perfeitamente à vontade para desenhar as regras da sociedade na qual gostaríamos de viver. E está fundamentado o nosso juspositivismo a partir do Princípio da Força.
5 - acreditando que a sociedade se organizar a partir de uma conjuntura socialista seria interessante para a satisfação das necessidades utilitárias e elementares da vida (que agora passaremos a resumir com o termo Bem-Comum, se me permitem), não detectamos qualquer contradição filosófica na ideologia Socialista.

(4-5): Porquê o Bem-Comum:

Aproximando-se da Praia do Utilitarismo, são comuns contestações ao Plano Natural regido pelo Princípio da Força que, na verdade, levanta os velhos questionamentos infantis do naipe "se moral absoluta não existe, então eu posso matar e estuprar quem eu quiser?"

O uso superficial do verbo "poder" exige um esclarecimento, estando para possibilidade e permissividade.
No sentido descritivo, poder significa que algo é possível, isto é, que a grandeza não contraria uma lei do pensamento. Por exemplo, é possível que Você mate ou estupre alguém ou é possível que um meteoro caia na Terra amanhã. Tudo o que não contradiga uma dessas Leis é Filosoficamente possível... Incluso uma boneca pensante, mágica, fadas, deuses, um bule de chá orbitando em torno de um planeta, etc. Mas, o mesmo não pode ser dito de um quadrado redondo (afronta à lei da não-contradição), um cachorro que possui todos e tão somente os elementos constitutivos de um gato (afronta à lei da identidade dos indiscerníveis), etc. De modo que pode executar a ação de estupro quando você dispõe dos instrumentos (meios) para efetuar o acto (ou seja, arbítrio e força/violência superior a do violentado) e não agride uma lei do pensamento no processo.

Já no sentido normativo, poder significa permissividade: não há barreiras normativas à existência da grandeza. De modo que ela é permitida, isto é, não há norma em âmbito positivo, moral ou ético que a proíba ou há norma que autoriza sua existência. Sim, isso quer dizer que "poder" depende dos referenciais que o verbo tem. Permitir, aqui, é um verbo transitivo direto e indireto e exige dois complementos: permite-se algo a alguém. Nesse âmbito, quando se questiona: “Então, para você, eu posso estuprar uma mulher?”, esse objeto indireto que rege sua ação pode ser fracionado nos segmentos (I) positivista, (II) moral e (III) Ética. Em Português (infelizmente) o verbo poder é homônimo perfeito (daí as confusões), mas em inglês fica mais fácil de notar a diferença. Falamos “can I” e “may I”, ambos significam “posso”, mas com sentidos diferentes.

No âmbito positivo, saberemos se a ação é permitida segundo (I) o Direito Positivo avaliando se a ação é consonante com o sistema de normas postas que oscilam no tempo e espaço. No caso, a Jurisdição Brasileira veda a execução dessa ação imputada como criminosa. Logo, nesse sentido, a resposta dada é que você não pode estuprar uma mulher porque isso é um crime. (II) Na moral, isso vai depender do molho de valorações que o indivíduo possui. Quando a minha moral é o objeto indireto que serve como referencial, você não pode executar a ação de estupro contra uma mulher. E, por fim, (III) na Ética, isso vai depender do molho de valorações que cadenciam a estrutura lógico-normativo dos postulados de dever-ser acolhidos. No caso, quando a Ética de Bem-Comum (que eu sigo e a que eu me submeto), é posta no lugar do objeto indireto do verbo transitivo, sua ação está errada também e não pode ser executada.

Concluindo, qualquer que seja o pensamento de permissividade que você tenha avaliando o âmbito valorativo, a resposta é "depende" do referencial que você entrega ao Verbo.

Claro que eu acharia melhor - e isso ninguém nega - que direitos naturais existissem para dar um plus ao que eu acho certo, constrangendo ainda mais os indivíduos na prática de ações delituosas, nesse sentido, reconhecemos que o jusnaturalismo é muito bom (mas que só o Direito Positivo existe)! Buscamos construir nossa percepção e ideia a partir de fatos, não de devaneios, mitologias ou sonhos alucinados.

Em sabendo que a Ética de Bem-Comum propõe-se a suprir o máximo de necessidades do máximo de indivíduos, alguém poderia perguntar o porquê da eleição desse valor em detrimento da eleição de outros valores como a vida, a liberdade, a propriedade, o sentimento religioso, igualdade, a natureza e a integridade das demais espécies, a paz, etc. Em que pese (1) nossa proximidade ideológica com vários desses valores e nosso absoluto distanciamento de outros valores egoístas que consideramos incompatíveis com nossa Ética em quaisquer âmbitos (ex: os valores de estupradores, assassinos, escravocratas, etc.), (2) o fato de que todos esses valores são arrastados ao patamar de relativos, arbitrários, impositivos, coercitivos, etc, entendemos que nossa Ética é mais atrativa ao conjunto da sociedade por seu apelo à "democracia" das necessidades sociais, entendendo-se por sociedade "o conjunto de almas que congrega a memória dos mortos, os vivos e os que ainda não nasceram". Reiterando que nossas propostas de defesa do Socialismo ocorrem pensando no âmbito da atratividade aos indivíduos num plano da conveniência utilitária, não no plano do que é certo, justo ou bom em si mesmo, como exaustivamente já explicamos. Assim, vamos primeiro falar sobre o grupo com o qual menos estamos de acordo e discorrer sobre as vantagens de nosso sistema se comparados ao deles.

Tem o ser humano necessidades ou instintos. Logo, sistemas que se organizam sob a lógica do totalitarismo, da absoluta felicidade de uns sobre a absoluta infelicidade de outros e sob a lógica da pilhagem, do saque e do terrorismo, tendem a não promover uma unicidade social que crie uma conjunção forte do Estado, ou seja, do grupo violento que domina uma massa de oprimidos. Assim, fragiliza-se tal Estado na ordem externa, na relação de confronto e constrangimento com outros Estados e, na ordem interna, com os indivíduos oprimidos que tendem a aguardar um momento oportuno para promover revoltas e derrubar o Estado Posto. Nesse sentido, embora gozem de satisfação temporária de suas necessidades egoístas, o grupo dominante fica condenado a viver em um estado de grande insegurança e imprevisibilidade, que tem potência para culminar com um grane sofrimento futuro para si próprios. Sistemas que tendem a organizar as necessidades sem a ocorrência desse tipo de brutalidade reputada como injusta por todos os lados, por outro lado, tendem a promover alternativa a essa queda, com o crescimento e fortalecimento de unicidades organizacionais e um sistema de relativa felicidade que é compartilhada pelos seus membros. Isso é ofertado, em variadas medidas, pelos EUA, Brasil, Noruega ou qualquer outro país entendido como civilizado em que possamos pensar, sendo a organização social acessível intelectualmente que maximize ao máximo essa oferta localizada de forma pontual em todos esses países, o Socialista regido pela Ética de Bem-Comum.

Em outros momentos, contudo, esses grupos com valores incompatíveis com os nossos tendem a paradoxalmente fortalecer essa unicidade social ou mesmo criar mecanismos tão sólidos de repressão, que esse momento de ruptura estende-se por um longo período.

Exemplifico:
1 século depois de Jesus morrer, seus apóstolos também morreram. E as igrejas declararam anarquia. 300 vertentes do cristianismo surgiram e a maior delas eram os gnósticos... Esses gnósticos acreditavam em muitas coisas que não vêm ao caso, mas eles foram derrubados pela Igreja Católica que ganhou o trunfo do poder do Estado para perseguir os cristãos dissidentes.

Eles nunca foram erradicados, os gnósticos... sempre deram trabalho. Até que no século XII reapareceram com força total no sul da França, agora sob o nome de cátaros. E no que acreditavam os cátaros? Também em muitas coisas... mas algumas delas são o foco aqui. Eles acreditavam que a matéria era má. Sendo má, a vida não era boa e deveria ser desestimulada. Então eles produziam suicídios grupais, não se alimentavam bem ou tomavam água (porque a matéria era má), evitavam dormir, estimulavam à abstinência sexual, a evitar a gravidez e a induzir ao aborto.

Foi contra eles que a Igreja convocou a Inquisição e uma Cruzada, saindo mais uma vez vitoriosa no segundo round do duelo... E por que eu contei tudo isso? Porque aqui temos dois valores muito antagônicos: os valores dos cátaros e os meus. Meus valores orbitam em torno de entender que a matéria é ótima e que a vida é linda e deve se expandir.

Contudo, quais valores estão certos? os valores dos cátaros ou os meus valores? Acredito que os meus. Os cátaros acreditam que os deles. Mas, isso não podemos provar nem pra um lado, nem pra outro.

Daí que mesmo com valores tão antagônicos às necessidades comuns dos homens, os cátaros fortaleceram-se socialmente, assim como grupos com propostas avessas ao Bem-Comum também triunfam hoje. A única reação que podemos propor a isso é a isso é a violência, com abertura ao extermínio e à dizimação.

Já com relação ao conjunto de valores que orbitam numa área mais cinza entre nossas propostas e a absoluta incompatibilidade, temos zonas mais nebulosas em que as respostas tornam-se mais frágeis e inconsistentes. Portanto, daremos neste post uma resposta genérica e uma resposta específica reservaremos ao próximo tópico.
Repare bem:

A liberdade é uma necessidade humana importantíssima. O instinto de não notar ameaça imediata as suas posses também. Pensemos agora na liberdade de um bilionário e na liberdade de uma criança faminta e com frio dormindo nos portões desse bilionário. Na balança das necessidades desses dois indivíduos, entendemos que a liberdade e a propriedade estão super-valorizadas a ponto tal em que submetemos outros indivíduos a situações de desagravo das necessidades em virtude daquilo que na prática posiciona-se e reverte-se apenas ao proveito de uns poucos. De modo que não nos sentimos constrangidos em invadir a mansão do bilionário, dirigir-nos a sua dispensa (e, portanto, de agredir sua posse) e subtrair parcialmente seu conteúdo visando alimentar a criança faminta e, portanto, diluir esse sistema que naturalmente cria um abismo, com as necessidades de uns abundantemente supridas e a de outros tão desagravadas.

(5-5): Porquê Socialismo:

Dentro do Orbe de Bem-comum Específico, por que convém Socialismo ao invés de outras respostas disponíveis - a exemplo do capitalismo neoliberal?

Primeiro, vamos mencionar que o Socialismo é uma crítica à sociedade capitalista, portanto, cabe enunciar sua estrutura organizacional para uma descrição da ideia Socialista e para a conclusão sobre o porquê ele convém mais do que outros sistemas.

A sociedade capitalista funciona através do dualismo antagônico de duas classes na sociedade: a burguesia e o proletário. A burguesia é a pequena parcela da sociedade que detém a posse sobre os bens de produção (bens que servem para a produção de novos bens) e que compra o tempo e o trabalho do proletário como um dos fatores de produção de que necessita. O proletário, por sua vez, é a grande parcela da sociedade que não é detentora dos instrumentos de produção e necessita vender o tempo e o trabalho para a burguesia em troca de um salário para se manter. As classes são antagônicas porque possuem interesses genéricos conflitantes. A burguesia quer que o proletário ganhe menos trabalhando mais. E o proletário quer trabalhar menos ganhando mais. Isso pode ser considerado no relacionamento não apenas da Burguesia, mas também, em menor escala, na análise do negócio do dono do bar da esquina e suas cozinheiras e seus garçons. Assim como o ofertante quer se desprender de bens que lhes requeiram menos sacrifício pessoal, ganhando mais e consumidor quer pagar menos, obtendo o melhor bem ou serviço.Até aí, nada de novo. 

Em 2017, um estudo dos pesquisadores da Universidade de Boston - Daron Acemoglu e Pascual Restrepo - publicado no National Bureau of Economic Research constatou dois dados preocupantes: cada robô adicional na economia dos Estados Unidos representa 5.6 trabalhadores a menos e cada robô adicionado à força de trabalho, para cada mil trabalhadores humanos, faz os salários caírem entre 0.25% e 0.5%. Em Rise of the Robots, Martin Ford explica que essa crescente desnecessidade dos seres humanos já era esperada com o desenvolvimento econômico deixando de criar novos postos de trabalho. Ele explica que o Capital imigrava entre a década de 80 e de 90 o chão de fábrica para os países em desenvolvimento que desvalissem os trabalhadores de direitos (como China) para absorver o trabalho humano sem grandes preocupações com seu bem-estar. O tempo que a China levou para postular um desenvolvimentismo capaz de criar seguridade aos trabalhadores foi o tempo que as empresas levaram para gradualmente substituir os chineses por automação e, agora, essas fábricas estão voltando para os EUA e Europa, mas com um aparato de mecanização do trabalho já robusto e que só cresce. Na Austrália, a automação tornou-se uma alternativa à política de não-acolhimento de imigrantes e, na China e Alemanha, empresas como a Foxconn optam por automação a aumentar salários do fator de produção humano. Em 2012, a Amazon deu início à política de substituir seus distribuidores por 80 mil robôs chamados Kiva. Isso evita que a empresa tome broncas como a de 2011, quando foi duramente criticada por expor esses funcionários ao calor excessivo. Embora a Tecnologia crie temporariamente novos empregos, como o GPS e o SmarthPhone que possibilitaram a existência dos motoristas de Uber e Lift e o processo de fossilização dos táxis, esta é uma faca de dois gumes, pois rotas, clientes e sistemas de pagamento já foram automatizados e quando essas empresas não precisarem mais de motoristas (como a implantação dos carros autônomos que já existem - sim, o futuro está aqui - e que o CEO da Uber já disse que começará a implantar na metade do ano que vem), esses serviços serão – aqui sim – serão completamente automatizados e o exército marginal de reserva crescerá ainda mais. A despeito de todos os benefícios que trazem, dando ao ser humano a possibilidade de produzir em larga escala e substituir o trabalho humano em funções perigosas, desgastantes ou insalubres, Daron Acemoglu e Pascual Restrepo observaram que o Capital ocupa cada vez mais o espaço produtivo humano de tarefas manuais a complexas: “Previsivelmente, as maiores categorias sofrendo declínios substanciais em países de primeiro e de terceiro mundo são profissões manuais rotineiras, caixas de supermercado, motoristas, pintores, telemarketing, contadores, operários, operadores, funcionários de montagem, maquinistas, trabalhadores de transporte, manuseio e carregamento de materiais, embaladores, soldagens, trabalhadores rurais, mineiros, etc”. Segundo um estudo de Oxford (The Future Of Employment: How Susceptible Are Jobs To Computerusatuib?) de Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, a era da neoindustrialização tende a tragar em primeiro momento os trabalhos que demandam mais repetição, menos criatividade, menos interação e insalubridade humana, sendo os softwares, as maiores promessas por erradicar postos de trabalho humano no futuro, como a airbnb, a maior rede de hospedagem do mundo e que possuía apenas 13 funcionários em 2017.

As previsões para o futuro não são animadoras: espera-se que o estoque de robôs nos Estados Unidos irá quadruplicar até 2025 - saltando de 1.75 para 5.25 robôs adicionais a cada mil trabalhadores. O estudo de Acemoglu e Pascual Restrepo prevê que isso reduzirá a relação emprego-população de 0.94 para 1.76 ponto percentual, resultando também em um menor crescimento salarial (de 1.3% a 2.6% entre 2015 e 2025). Entendem que a adição de mais 5.25 robôs a cada mil trabalhadores pode também aumentar a perda de trabalhos adicionais para algo entre 1.9 milhão e 3.4 milhões em apenas uma década. “Por haver relativamente poucos robôs na economia americana, o número de empregos perdidos por causa deles tem sido limitado até agora (entre 360 mil e 670 mil empregos) (...) Entretanto, se a propagação de robôs prosseguir como esperado ao longo das próximas duas décadas, as implicações futuras agregadas da disseminação de robôs poderiam ser muito maiores. Os dados mostram claramente que a proporção de novos postos de trabalho cobriram apenas 3% em relação à colonização das máquinas sobre o trabalho humano. Desses, 0.95% já foram colonizados pelas máquinas”. Essa tendência promete ganhar outro impulsionador do desemprego: a inteligência artificial e a chamada Quarta Revolução Industrial. De acordo com uma análise da International Data Corporation, virtualmente, nenhum emprego está seguro. Já temos Inteligência Artificial substituindo trabalhos humanos em postos antes impensáveis, como juristas e médicos.

Todos conhecem as ideias mirabolantes de Trump sobre protecionismo que o elevaram ao posto da Casa Branca. Também todos conhecem sua ingerência coercitiva sobre gigantes do empresariado como a Ford, Carrier, Foxconn... Uma de suas frases que ilustram bem sua ideologia é: "Temos estes incríveis cidadãos em nosso país: inteligentes, afiados, cheios de energia. Estava dizendo em como podemos tornar a América grande outra vez e realmente acredito que podemos fazer isso agora. (...) Vamos obrigar a Apple a construir seus malditos computadores e coisas aqui em vez de em outros países". Em seu discurso de posse, ele deixou claro que considera os efeitos da globalização nocivos para os americanos, "Uma por uma, as fábricas fecharam e deixaram nosso solo sem nem pensar nos milhões e milhões de trabalhadores americanos que foram deixados para trás (...) Mães e crianças presas na pobreza das zonas carentes de nossas cidades, fábricas enferrujadas espalhadas como lápides pela paisagem da nação".

O que Trump desconhece é que, em 2016, os EUA bateram seu próprio recorde, produzindo mais bens do que nunca, mas isso passa praticamente despercebido porque os empresários já não precisam de tantos trabalhadores. Graças à automação das indústrias, o Capital é capaz de produzir 85% a mais de bens do que o que era produzido em 1987, mas com apenas incríveis ⅔ do número de trabalhadores empregados no mesmo período.

Isso sugere que num prazo mediano, a política de intimidação de Trump será inócua. As empresas não são obrigadas a contratar mais gente... Ao contrário! A impossibilidade de escravizarem seres humanos na China tende a levá-los a investir ainda mais em automação.

Um outro fator decisivo para a política americana é o fato de que nem mesmo os robôs que as fábricas utilizarão serão americanas, mas chineses. Em 2013, a Federação Internacional de Robótica apontou que a China tornou-se o maior mercado mundial de robôs industriais.... E o país caminha para colonizar outros dois setores: a robótica agrícola e de terceiras aplicações. “Se examinarmos as comparações no investimento entre a China e os EUA, nota-se que vamos perder. O investimento chinês é de bilhões e mais bilhões. Não vejo o mesmo acontecendo nos Estados Unidos. E sem isso, vamos ficar para trás, não há dúvida”, disse Henrik Christensen, diretor do Instituto de Robótica Contextual da Universidade da Califórnia, San Diego. Mark Cuban - empreendedor da internet e dos esportes e editor de uma revista sobre o setor The Robort Report - apresentou um projeto a Trump requerendo que o presidente liberasse uma verba de US$ 100 bilhões para a robótica... Trump educadamente recusou. Segundo ele, o investimento do governo na área "é absolutamente necessário". “É melhor fazermos alguma coisa ou ficaremos numa posição delicada. Temos que entrar no ramo da robótica para não sermos apenas usuários de robôs estrangeiros (...) Hoje, compramos um monte de coisas feitas na China pelos chineses; amanhã, compraremos coisas feitas nos EUA... por robôs chineses". Em 2014, o presidente da China Xi Jinping pediu uma “revolução robótica que voe!”. – Paulo Silveira e Atila Iamarino [adaptado].

Ou seja, a medida em que o capital cresce e que o ser humano vai inventando novas tecnologias, a necessidade do trabalho humano vai sendo reduzida, conforme demonstrado. Como o sistema capitalista é baseado na ideia de que um grupo de indivíduos possui os bens de capital e compra o trabalho de outro grupo que não tem bens de capital em troca de um salário, há inerente contradição em caso de o trabalho humano não ser mais necessário... resultando em desemprego.
Se há desemprego, o consumo é reduzido... se o consumo cai, o sistema quebra. Então, a solução é quebrar as máquinas - como fizeram antigamente (solução inútil e torpe) - ou expropriar o Capital. Assim, o lucro obtido através do consumo reverte em proveito da própria sociedade (na construção de escolas, pavimentação, novas tecnologias, hospitais, etc.) e a contradição inerente é resolvida, pois quanto mais tecnologia criamos, menos precisamos trabalhar porque os bens de produção - que são públicos - transformam a sociedade em autossustentável.

De outro lado, a hierarquização das sociedades capitalistas é muito não-vantajosa para a sociedade, haja vista sociedades como os EUA, em que uma porcentagem ínfima da sociedade controla um grande cabedal de recursos, enquanto uma porcentagem significativa patina abaixo da linha da pobreza. No plano econômico, o Socialismo propõe-se a expropriar os veios da Economia para retirar o controle da sociedade do grupo responsável por suprir a escassez e entregá-lo à massa trabalhadora. “O socialismo visa extinguir a sociedade de classes, removendo da corte burguesa o tributo a eles imputado de suprir a escassez e, portanto, de controlar a humanidade em seu cerne mais básico, que é o de empregar e fazer girar a roda econômica. Ao expropriar os bens de produção (e não os de consumo), os trabalhadores organizados numa Federação Internacional de Estado orientarão a produção para o uso deles mesmos (e não do mero lucro mórbido). Tal lucro que agora abarrota as contas bancárias da alta burguesia, será de justa-maneira destinado à extensão dos direitos e benefícios dos trabalhadores, à expansão da tecnologia com o intuito de progressivamente baratear os bens de consumo que os trabalhadores usarão e reduzir a carga horária e a necessidade de esforço humano para a produção desses mesmos bens, portanto, ampliando o ócio dos trabalhadores. Além de, claro, ser convertido em impostos que serão destinados à investidura em saúde, educação e segurança dos trabalhadores. Portanto, o socialismo é um sistema configurado para orbitar em torno dos trabalhadores (Rosa Luxemburgo)". Esses meios de produção expropriados, como bem apontou Rosa Luxemburgo, serão geridos pela única classe que restou após a dissolução do capitalismo - a classe trabalhadora - em uma Democracia que oscila entre direta e semi-direta através da instauração de uma estrutura federalizada de trabalhadores atuando verticalmente nas instâncias decisórias através de associações tecnocratas, que é aquilo que os russos chamaram de sovietes.

Desta forma, o modo como se enxerga a democracia burguesa é com ceticismo e escárnio, isso porque em um sistema de classes, a classe produtora - a burguesia - sempre vai expropriar o Estado para convertê-lo em uma máquina que opera em torno de seus interesses, ou seja, a forma como as pessoas influenciam o Estado é diferente, e isso é notado no financiamento de campanhas, por exemplo, ou no fato de que metade do nosso Congresso é formado por empresários, assim, os políticos que dizem representar as pessoas são meros lacaios das empresas privadas no capitalismo. O Direito do Estado também é transformado em uma estrutura opressora que se propõe a garantir que os ricos nunca sejam punidos, enquanto age com cajado de ferro contra os pobres. De outro lado, o racionalismo oprime - através dos Tiriricas da vida - toda a lógica tecnocrata que entendemos ser vital para a evolução da humanidade no ritmo mais acelerado possível. No socialismo, não seria assim... Não será o Bolsonaro, Dilma, Jean Wyllys, Luciano Hang ou Eike Batista quem vão decidir sobre a cura gay, a política cambial, a fosfoetanolamina ou a criação de bases lunares. Nos EUA, por exemplo, temos 60 mil economistas, 140 mil contabilistas e 1 milhão e 800 mil administradores. No socialismo, esses trabalhadores integrariam sovietes que, coordenamente, elegeriam periodicamente gestores que seriam controlados por esses conselhos de trabalhadores para que atuassem nas empresas expropriadas.

Pra decidir sobre a fosfoetanolamina, quem teria poder de votar seriam os trabalhadores da área da Química, da Medicina, da Biologia, da Farmacologia, etc... A isso damos o nome de Tecnocracia. A sociedade socialista visa casar a Política com a Ciência, é uma sociedade científica, quanto mais conhecimento se tem, mais se é valorizado socialmente. Então, a ideia de funcionamento do executivo, da utilidade de políticos, do exercício da cidadania e da coluna vertebral do parlamento em ambos os sistemas é distinto. Outra coisa importante para se mencionar sobre a ideia socialista é que ela não crê em países. O socialismo não existe para reconhecer e distinguir o Brasil, a Argentina ou a Alemanha, pois é uma ideologia que vê a humanidade como uma coisa só, sem as fronteiras artificiais que nos dividem.

A Esquerda parte de um pressuposto: O de que o dever da Economia (enquanto estudo sistemático da escassez) é instituir um regime de Felicidade, regozijo, união e cooperativismo entre os povos... O que desembocaria numa sociedade cada vez mais coesa e preocupada com o bem-estar uns dos outros, dos animais, das plantas e do meio ambiente. Acreditamos que é preciso reinventar nossas sociedades porque o objetivo do Espírito humano não é trabalhar e entrar na rodinha do hamster. O nome disso é bestialização. O ser humano é muito mais do que um consumidor... um produto que ora usa, ora é usado. Acreditamos que é preciso transformar as engrenagens capitalistas num motor de promoção do Bem dos povos e da Felicidade de cada indivíduo... e que a evolução moral atingirá seu ápice quando os seres humanos perpetrarem uma busca incessante por maior desenvolvimento tecnológico não para competir no mercado e, sim, pra tornar o ócio cada vez mais acessível à população do mundo, que liberta do escravismo, dessa busca incessante pelo Ter ou pelo Ser. Que se possa se preocupar mais com o Bem-Estar.... Essa foi a justificativa dos políticos quando votaram para a redução da jornada de trabalho na Suécia de 8 pra 6 horas diárias.... Este é o conceito que permeia todos os nossos discursos, a busca incessante por Libertar a alma humana das amarras materialistas no aspecto de sua própria essência e vivência - o social - fazendo ascender um mundo Progressista multicolorido em que estaremos todos rodeados por diversidade, diferenças, mas, todos nos sentiremos unidos e iguais não apesar dessas diferenças, mas, sim, por causa delas.... Toda essa coesão refletirá na forma como experimentamos as relações econômicas uns com os outros e com o Estado que ergueremos sobre nós mesmos com o intuito de cuidar desse mundo.

A ideologia capitalista vai no sentido contrário, quando assegura um estado de competição entre os indivíduos que vai progressivamente hierarquizando a sociedade em estamentos. A medida em que o individualismo é sempre tão posto em centro pelos marginalistas, ele vai concentrando no ser humano um pensamento cada vez menos cooperativista e egoísta, estimulando aquilo que o homem possui de mais sórdido: uma senso-percepção humana cada vez mais encapsulante. Provoca à existência, um mar de pessoas vazias, de rostos vazios... de passos sem sentido. Ao lado do individualismo, o capitalismo propicia o estímulo à ambição e ao endeusamento do consumo, embebido pelo marketing e pela propaganda, onde consumir e, sobretudo, ostentar o consumo se torna vital para que o indivíduo seja visto.... Não é bem isso que pensamos que seja o ideal pra humanidade. Ao nosso ver, as pessoas têm que enxergar a essência humana... Desvalorizar o ser e o ter e passar a valorizar aquilo que as pessoas têm de mais precioso.... Entendemos que ir no sentido contrário, além de bestializar os sentimentos e plastificar a personalidade e as relações, tal sistema produz os regimes de segregação, de abandono, de exclusão e de invisibilização do outro.

Após a dissolução das contradições de classes capitalista e a queda dos países, os socialistas acreditam na humanidade finalmente rumando para uma crescente homogeneidade do acesso aos dispêndios básicos como saúde, educação, segurança, transporte, lazer, etc. A partir do fim do divórcio que separa as raças, as etnias, as nacionalidades e outras formas de segregação e discriminação, a humanidade tecnocrata passaria a progressivamente diminuir a necessidade de se utilizar do trabalho humano pela inserção das máquinas e Tecnologia na produção, fazendo com que todos os seres humanos passem a degustar cada vez mais do ócio e acessar o trabalho como fonte lúdica, que é a ideia central do socialismo. Desprendido dessas preocupações superficiais ligadas à sobrevivência, os seres humanos deste novo-mundo deveriam ser estimulados a reverenciar enormemente os direitos humanos, a consciência artística, a preservação e disseminação da vida e a expansão da Ciência e da Filosofia. A preocupação central da humanidade deveria orbitar em torno de fornecer a cada indivíduo vivo, o acesso à Felicidade... o que levaria em seu ápice a queda das cadeias alimentares que aprisionam pela natureza os seres vivos à selvageria. O ser humano, portanto, por ser a única espécie racional conhecida, seria um "guardião natural da vida" e da consciência ecológica. Assim como ocorreu o casamento da Ciência de todos os países que foram unidas em uma estrutura objetiva que compila dados, dando o ponta-pé que a Evolução Humanitária precisava, o mesmo ocorreria com a Economia e a sociedade, que agora seria gerida por essa Federação Tecnocrata Internacionalista de Trabalhadores Unidos, os cientistas. É uma espécie de ressurgimento da Teoria do Rei-Filósofo de Platão. As pessoas trabalham pela manhã, filosofam a tarde e vão curtir a vida à noite. A longo prazo, podemos pensar na espécie humana saindo deste planeta, colonizando o universo, descobrindo eventuais vidas (racionais) em outras partes e criando novas através da tecnologia. Assim como Isaac Asimov abordou n'A Última Pergunta, realmente nossos pensamentos não são focados na próxima eleição presidencial do Brasil ou da Indonésia, pensamos a longo prazo.... mesmo!:

A Última Pergunta - Isaac Asimov

 A última pergunta foi feita pela primeira vez, meio que de brincadeira, no dia 21 de maio de 2061, quando a humanidade dava seus primeiros passos em direção à luz. A questão nasceu como resultado de uma aposta de cinco dólares movida a álcool, e aconteceu da seguinte forma.

 

Alexander Adell e Bertram Lupov eram dois dos fiéis assistentes de Multivac. Eles conheciam melhor do que qualquer outro ser humano o que se passava por trás das milhas e milhas da carcaça luminosa, fria e ruidosa daquele gigantesco computador. Ainda assim, os dois homens tinham apenas uma vaga noção do plano geral de circuitos que há muito haviam crescido além do ponto em que um humano solitário poderia sequer tentar entender.

 

Multivac ajustava-se e corrigia-se sozinho. E assim tinha de ser, pois nenhum ser humano poderia fazê-lo com velocidade suficiente, e tampouco da forma adequada. Deste modo, Adell e Lupov operavam o gigante apenas sutil e superficialmente, mas, ainda assim, tão bem quanto era humanamente possível. Eles o alimentavam com novos dados, ajustavam as perguntas de acordo com as necessidades do sistema e traduziam as respostas que lhes eram fornecidas. Os dois, assim como seus colegas, certamente tinham todo o direito de compartilhar da glória que era Multivac.

 

Por décadas, Multivac ajudou a projetar as naves e enredar as trajetórias que permitiram ao homem chegar à Lua, Marte e Vênus, mas para além destes planetas, os parcos recursos da Terra não foram capazes de sustentar a exploração. Fazia-se necessária uma quantidade de energia grande demais para as longas viagens. A Terra explorava suas reservas de carvão e urânio com eficiência crescente, mas havia um limite para a quantidade de ambos.

 

No entanto, lentamente Multivac acumulou conhecimento suficiente para responder questões mais profundas com maior fundamentação, e em 14 de maio de 2061, o que não passava de teoria tornou-se real.

 

A energia do sol foi capturada, convertida e utilizada diretamente em escala planetária. Toda a Terra paralisou suas usinas de carvão e fissões de urânio, girando a alavanca que conectou o planeta inteiro a uma pequena estação, de uma milha de diâmetro, orbitando a Terra à metade da distância da Lua. O mundo passou a correr através de feixes invisíveis de energia solar.

 

Sete dias não foram o suficiente para diminuir a glória do feito e Adell e Lupov finalmente conseguiram escapar das funções públicas e encontrar-se em segredo onde ninguém pensaria em procurá-los, nas câmaras desertas subterrâneas onde se encontravam as porções do esplendoroso corpo enterrado de Multivac. Subutilizado, descansando e processando informações com estalos preguiçosos, Multivac também havia recebido férias, e os dois apreciavam isso. A princípio, eles não tinham a intenção de incomodá-lo.

 

Haviam trazido uma garrafa consigo e a única preocupação de ambos era relaxar na companhia do outro e da bebida.

 

“É incrível quando você pára pra pensar…,” disse Adell. Seu rosto largo guardava as linhas da idade e ele agitava o seu drink vagarosamente, enquanto observava os cubos de gelo nadando desengonçados. “Toda a energia que for necessária, de graça, completamente de graça! Energia suficiente, se nós quiséssemos, para derreter toda a Terra em uma grande gota de ferro líquido, e ainda assim não sentiríamos falta da energia utilizada no processo. Toda a energia que nós poderíamos um dia precisar, para sempre e eternamente.”

 

Lupov movimentou a cabeça para os lados. Ele costumava fazer isso quando queria contrariar, e agora ele queria, em parte porque havia tido de carregar o gelo e os utensílios. “Eternamente não,” ele disse.

 

“Ah, diabos, quase eternamente. Até o sol se apagar, Bert.”

 

“Isso não é eternamente.”

 

“Está bem. Bilhões e bilhões de anos. Dez bilhões, talvez. Está satisfeito?” - Lupov passou os dedos por entre seus finos fios de cabelo como que para se assegurar de que o problema ainda não estava acabado e tomou um gole gentil da sua bebida.

 

“Dez bilhões de anos não é a eternidade”

 

“Bom, vai durar pelo nosso tempo, não vai?”

 

“O carvão e o urânio também iriam.”

 

“Está certo, mas agora nós podemos ligar cada nave individual na Estação Solar, e elas podem ir a Plutão e voltar um milhão de vezes sem nunca nos preocuparmos com o combustível. Você não conseguiria fazer isso com carvão e urânio. Se não acredita em mim, pergunte ao Multivac.”

 

“Não preciso perguntar a Multivac. Eu sei disso”

 

“Então trate de parar de diminuir o que Multivac fez por nós,” disse Adell nervosamente, “Ele fez tudo certo”.

 

“E quem disse que não fez? O que estou dizendo é que o sol não vai durar para sempre. Isso é tudo que estou dizendo. Nós estamos seguros por dez bilhões de anos, mas e depois?” Lupov apontou um dedo levemente trêmulo para o companheiro. “E não venha me dizer que nós iremos trocar de sol”

 

Houve um breve silêncio. Adell levou o copo aos lábios apenas ocasionalmente e os olhos de Lupov se fecharam. Descansaram um pouco, e quando suas pálpebras se abriram, disse, “Você está pensando que iremos conseguir outro sol quando o nosso estiver acabado, não está?”

 

 

“Não, não estou pensando.”

 

“É claro que está. Você é fraco em lógica, esse é o seu problema. É como o personagem da história, que, quando surpreendido por uma chuva, corre para um grupo de árvores e abriga-se embaixo de uma. Ele não se preocupa porque quando uma árvore fica molhada demais, simplesmente vai para baixo de outra.”

 

“Entendi,” disse Adell. “Não precisa gritar. Quando o sol se for, as outras estrelas também terão se acabado.”

 

“Pode estar certo que sim” murmurou Lupov. “Tudo teve início na explosão cósmica original, o que quer que tenha sido, e tudo terá um fim quando as estrelas se apagarem. Algumas se apagam mais rápido que as outras. Ora, as gigantes não duram cem milhões de anos. O sol irá brilhar por dez bilhões de anos e talvez as anãs permaneçam assim por duzentos bilhões. Mas nos dê um trilhão de anos e só restará a escuridão. A entropia deve aumentar ao seu máximo, e é tudo.”

 

“Eu sei tudo sobre a entropia,” disse Adell, mantendo a sua dignidade.

 

“Duvido que saiba.”

 

“Eu sei tanto quanto você.”

 

“Então você sabe que um dia tudo terá um fim.”

 

“Está certo. E quem disse que não terá?”

 

“Você disse, seu tonto. Você disse que nós tínhamos toda a energia de que precisávamos, para sempre. Você disse ´para sempre`.”

 

Era a vez de Adell contrariar. “Talvez nós possamos reconstruir as coisas de volta um dia,” ele disse.

 

“Nunca.”

 

“Por que não? Algum dia.”

 

“Nunca”

 

“Pergunte a Multivac.”

 

“Você pergunta a Multivac. Eu te desafio. Aposto cinco dólares que isso não pode ser feito.”

 

Adell estava bêbado o bastante para tentar, e sóbrio o suficiente para construir uma sentença com os símbolos e as operações necessárias em uma questão que, em palavras, corresponderia a esta: a humanidade poderá um dia sem nenhuma energia disponível ser capaz de reconstituir o sol a sua juventude mesmo depois de sua morte?

 

Ou talvez a pergunta possa ser posta de forma mais simples da seguinte maneira: A quantidade total de entropia no universo pode ser revertida? Multivac mergulhou em silêncio. As luzes brilhantes cessaram, os estalos distantes pararam.

 

E então, quando os técnicos assustados já não conseguiam mais segurar a respiração, houve uma súbita volta à vida no visor integrado àquela porção de Multivac. Cinco palavras foram impressas: “DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”

 

Na manhã seguinte, os dois, com dor de cabeça e a boca seca, já não lembravam do incidente.

 

* * *


Jerrodd, Jerrodine, e Jerrodette I e II observavam a paisagem estelar no visor se transformar enquanto a passagem pelo hiperespaço consumava-se em uma fração de segundos. De repente, a presença fulgurante das estrelas deu lugar a um disco solitário e brilhante, semelhante a uma peça de mármore centralizada no televisor.

 

“Este é X-23,” disse Jerrodd em tom de confidência. Suas mãos finas se apertaram com força por trás das costas até que as juntas ficassem pálidas.

 

As pequenas Jerodettes haviam experimentado uma passagem pelo hiperespaço pela primeira vez em suas vidas e ainda estavam conscientes da sensação momentânea de tontura. Elas cessaram as risadas e começaram a correr em volta da mãe, gritando, “Nós chegamos em X-23, nós chegamos em X-23!”

 

“Quietas, crianças.” Disse Jerrodine asperamente. “Você tem certeza Jerrodd?”

 

“E por que não teria?” Perguntou Jerrodd, observando a protuberância metálica que jazia abaixo do teto. Ela tinha o comprimento da sala, desaparecendo nos dois lados da parede, e, em verdade, era tão longa quanto a nave.

 

Jerrodd tinha conhecimentos muito limitados acerca do sólido tubo de metal. Sabia, por exemplo, que se chamava Microvac, que era permitido lhe fazer questões quando necessário, e que ele tinha a função de guiar a nave para um destino pré-estabelecido, além de abastecer-se com a energia das várias Estações Sub-Galácticas e fazer os cálculos para saltos no hiperespaço.

 

Jerrodd e sua família tinham apenas de aguardar e viver nos confortáveis compartimentos da nave. Alguém um dia disse a Jerrodd que as letras “ac” na extremidade de Microvac significavam “automatic computer” em inglês arcaico, mas ele mal era capaz de se lembrar disso.

 

Os olhos de Jerrodine ficaram úmidos quando observava o visor. “Não tem jeito. Ainda não me acostumei com a idéia de deixar a Terra.”

 

“Por que, meu deus?” inquiriu Jerrodd. “Nós não tínhamos nada lá. Nós teremos tudo em X-23. Você não estará sozinha. Você não será uma pioneira. Há mais de um milhão de pessoas no planeta. Por Deus, nosso bisneto terá que procurar por novos mundos porque X-23 já estará super povoado.” E, depois de uma pausa reflexiva, “No ritmo em que a raça tem se expandido, é uma benção que os computadores tenham viabilizado a viagem interestelar.”

 

“Eu sei, eu sei”, disse Jerrodine com descaso.

 

Jerrodete I disse prontamente, “Nosso Microvac é o melhor de todos.”

 

“Eu também acho,” disse Jerrodd, alisando o cabelo da filha.

 

Ter um Microvac próprio produzia uma sensação aconchegante em Jerrodd e o deixava feliz por fazer parte daquela geração e não de outra. Na juventude de seu pai, os únicos computadores haviam sido máquinas monstruosas, ocupando centenas de milhas quadradas, e cada planeta abrigava apenas um. Eram chamados de ACs Planetários. Durante um milhar de anos, eles só fizeram aumentar em tamanho, até que, de súbito, veio o refinamento. No lugar dos transistores, foram implementadas válvulas moleculares, permitindo que até mesmo o maior dos ACs Planetários fosse reduzido à metade do volume de uma espaçonave.

 

Jerrodd sentiu-se elevado, como sempre acontecia quando pensava que seu Microvac pessoal era muitas vezes mais complexo do que o antigo e primitivo Multivac que pela primeira vez domou o sol, e quase tão complexo quanto o AC Planetário da Terra, o maior de todos, quando este solucionou o problema da viagem hiperespacial e tornou possível ao homem chegar às estrelas.

“Tantas estrelas, tantos planetas,” pigarreou Jerrodine, ocupada com seus pensamentos. “Eu acho que as famílias estarão sempre à procura de novos mundos, como nós estamos agora.”

 

“Não para sempre,” disse Jerrodd, com um sorriso. “A migração vai terminar um dia, mas não antes de bilhões de anos. Muitos bilhões. Até as estrelas têm um fim, você sabe. A entropia precisa aumentar.”

 

“O que é entropia, papai?” Jerrodette II perguntou, interessada.

 

“Entropia, meu bem, é uma palavra para o nível de desgaste do Universo. Tudo se gasta e acaba, foi assim que aconteceu com o seu robozinho de controle remoto, lembra?”

 

“Você não pode colocar pilhas novas, como em meu robô?”

 

“As estrelas são as pilhas do universo, querida. Uma vez que elas estiverem acabadas, não haverá mais pilhas.”

 

Jerrodette I se prontificou a responder. “Não deixe, papai. Não deixe que as estrelas se apaguem.”

 

“Olha o que você fez,” sussurrou Jerrodine, exasperada.

 

“Como eu ia saber que elas ficariam assustadas?” Jerrodd sussurrou de volta.

 

“Pergunte ao Microvac,” propôs Jerrodette I. “Pergunte a ele como acender as estrelas de novo.”

 

“Vá em frente,” disse Jerrodine. “Ele vai aquietá-las.” (Jerrodette II já estava começando a chorar.)

 

Jerrodd se mostrou incomodado. “Bem, bem, meus anjinhos, vou perguntar a Microvac. Não se preocupem, ele vai nos ajudar.”

 

Ele fez a pergunta ao computador, adicionando, “Imprima a resposta”. Jerrodd olhou para a o fino pedaço de papel e disse, alegremente, “Viram?

 

Microvac disse que irá cuidar de tudo quando a hora chegar, então não há porque se preocupar.”

 

Jerrodine disse, “E agora crianças, é hora de ir para a cama. Em breve nós estaremos em nosso novo lar.”

 

Jerrodd leu as palavras no papel mais uma vez antes de destruí-lo: DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

 

Ele deu de ombros e olhou para o televisor, X-23 estava logo à frente.

 

* * *

 

VJ-23X de Lameth fixou os olhos nos espaços negros do mapa tridimensional em pequena escala da Galáxia e disse, “Me pergunto se não é ridículo nos preocuparmos tanto com esta questão.”

 

MQ-17J de Nicron balançou a cabeça. “Creio que não. No presente ritmo de expansão, você sabe que a galáxia estará completamente tomada dentro de cinco anos.”

 

Ambos pareciam estar nos seus vinte anos, ambos eram altos e tinham corpos perfeitos.

 

“Ainda assim,” disse VJ-23X, “hesitei em enviar um relatório pessimista ao Conselho Galáctico.”

 

“Eu não consigo pensar em outro tipo de relatório. Agite-os. Nós precisamos chacoalhá-los um pouco.”

 

VJ-23X suspirou. “O espaço é infinito. Cem bilhões de galáxias estão a nossa espera. Talvez mais.”

 

“Cem bilhões não é o infinito, e está ficando menos ainda a cada segundo. Pense! Há vinte mil anos, a humanidade solucionou pela primeira vez o paradigma da utilização da energia solar, e, poucos séculos depois, a viagem interestelar tornou-se viável. A humanidade demorou um milhão de anos para encher um mundo pequeno e, depois disso, quinze mil para abarrotar o resto da galáxia. Agora a população dobra a cada dez anos…”

 

VJ-23X interrompeu. “Devemos agradecer à imortalidade por isso.”

 

“Muito bem. A imortalidade existe e nós devemos levá-la em conta. Admito que ela tenha o seu lado negativo. O AC Galáctico já solucionou muitos problemas, mas, ao fornecer a resposta sobre como impedir o envelhecimento e a morte, sobrepujou todas as outras conquistas.”

 

“No entanto, suponho que você não gostaria de abandonar a vida.”

 

“Nem um pouco.” Respondeu MQ-17J, emendando. “Ainda não. Eu não estou velho o bastante. Você tem quantos anos?”

“Duzentos e vinte e três, e você?”

 

“Ainda não cheguei aos duzentos. Mas, voltando à questão; a população dobra a cada dez anos, uma vez que esta galáxia estiver lotada, haverá uma outra cheia dentro de dez anos. Mais dez e teremos ocupado por inteiro mais duas galáxias. Outra década e encheremos mais quatro. Em cem anos, contaremos um milhar de galáxias transbordando de gente. Em mil anos, um milhão de galáxias. Em dez mil, todo o universo conhecido. E depois?

 

VJ-23X disse, “Além disso, há um problema de transporte. Eu me pergunto quantas unidades de energia solar serão necessárias para movimentar as populações de uma galáxia para outra.”

 

“Boa questão. No presente momento, a humanidade consome duas unidades de energia solar por ano.”

 

“Da qual a maior parte é desperdiçada. Afinal, nossa galáxia sozinha produz mil unidades de energia solar por ano e nós aproveitamos apenas duas.”

 

“Certo, mas mesmo com 100% de eficiência, podemos apenas adiar o fim. Nossa demanda energética tem crescido em progressão geométrica, de maneira ainda mais acelerada do que a população. Ficaremos sem energia antes mesmo que nos faltem galáxias. É uma boa questão. De fato uma ótima questão.”

 

“Nós precisaremos construir novas estrelas a partir do gás interestelar.”

 

“Ou a partir do calor dissipado?” perguntou MQ-17J, sarcástico.

 

“Pode haver algum jeito de reverter a entropia. Nós devíamos perguntar ao AC [Analog Computer] Galáctico.”

 

VJ-23X não estava realmente falando sério, mas MQ-17J retirou o seu Comunicador-AC do bolso e colocou na mesa diante dele.

“Parece-me uma boa idéia,” ele disse. “É algo que a raça humana terá de enfrentar um dia.”

 

Ele lançou um olhar sóbrio para o seu pequeno Comunicador-AC. Tinha apenas duas polegadas cúbicas e nada dentro, mas estava conectado através do hiperespaço com o poderoso AC Galáctico que servia a toda a humanidade. O próprio hiperespaço era parte integral do AC Galáctico.

 

MQ-17J fez uma pausa para pensar se algum dia em sua vida imortal teria a chance de ver o AC Galáctico. A máquina habitava um mundo dedicado, onde uma rede de raios de força emaranhados alimentava a matéria dentro da qual ondas de submésons haviam tomado o lugar das velhas e desajeitadas válvulas moleculares. Ainda assim, apesar de seus componentes etéreos, o AC Galáctico possuía mais de mil pés de comprimento.

 

De súbito, MQ-17J perguntou para o seu Comunicador-AC, “Poderá um dia a entropia ser revertida?”

 

VJ-23X disse, surpreso, “Oh, eu não queria que você realmente fizesse essa pergunta.”

 

“Por que não?”

 

“Nós dois sabemos que a entropia não pode ser revertida. Você não pode construir uma árvore de volta a partir de fumaça e cinzas.”

 

“Existem árvores no seu mundo?” Perguntou MQ-17J.

 

O som do AC Galáctico fez com que silenciassem. Sua voz brotou melodiosa e bela do pequeno Comunicador-AC em cima da mesa. Dizia:

DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

 

VJ-23X disse, “Viu!”

 

Os dois homens retornaram à questão do relatório que tinham de apresentar ao conselho galáctico.

 

* * *

 

A mente de Zee Prime navegou pela nova galáxia com um leve interesse nos incontáveis turbilhões de estrelas que pontilhavam o espaço. Ele nunca havia visto aquela galáxia antes. Será que um dia conseguiria ver todas? Eram tantas, cada uma com a sua carga de humanidade. Ainda que essa carga fosse, virtualmente, peso morto. Há tempos a verdadeira essência do homem habitava o espaço.

 

Mentes, não corpos! Há eons os corpos imortais ficaram para trás, em suspensão nos planetas. De quando em quando erguiam-se para realizar alguma atividade material, mas estes momentos tornavam-se cada vez mais raros. Além disso, poucos novos indivíduos vinham se juntar à multidão incrivelmente maciça de humanos, mas o que importava? Havia pouco espaço no universo para novos indivíduos.

 

Zee Prime deixou seus devaneios para trás ao cruzar com os filamentos emaranhados de outra mente.

 

“Sou Zee Prime, e você?”

 

“Dee Sub Wun. E a sua galáxia, qual é?”

 

“Nós a chamamos apenas de Galáxia. E você?”

 

“Nós também. Todos os homens chamam as suas Galáxias de Galáxias, não é?”

 

“Verdade, já que todas as Galáxias são iguais.”

 

“Nem todas. Alguma em particular deu origem à raça humana. Isso a torna diferente.”

 

Zee Prime disse, “Em qual delas?”

 

“Não posso responder. O AC Universal deve saber.”

 

“Vamos perguntar? Estou curioso.”

 

A percepção de Zee Prime se expandiu até que as próprias Galáxias encolhessem e se transformassem em uma infinidade de pontos difusos a brilhar sobre um largo plano de fundo. Tantos bilhões de Galáxias, todas abrigando seus seres imortais, todas contando com o peso da inteligência em mentes que vagavam livremente pelo espaço. E ainda assim, nenhuma delas se afigurava singular o bastante para merecer o título de Galáxia original. Apesar das aparências, uma delas, em um passado muito distante, foi a única do universo a abrigar a espécie humana.

 

Zee Prime, imerso em curiosidade, chamou: “AC Universal! Em qual Galáxia nasceu o homem?”

 

O AC Universal ouviu, pois em cada mundo e através de todo o espaço, seus receptores faziam-se presentes. E cada receptor ligava-se a algum ponto desconhecido onde se assentava o AC Universal através do hiperespaço.

 

Zee Prime sabia de um único homem cujos pensamentos haviam penetrado no campo de percepção do AC Universal, e tudo o que ele viu foi um globo brilhante difícil de enxergar, com dois pés de comprimento.

 

“Como pode o AC Universal ser apenas isso?” Zee Prime perguntou. “A maior parte dele permanece no hiperespaço, onde não é possível imaginar as suas proporções.”

 

Ninguém podia, pois a última vez em que alguém ajudou a construir um AC Universal jazia muito distante no tempo. Cada AC Universal planejava e construía seu sucessor, no qual toda a sua bagagem única de informações era inserida.

 

O AC Universal interrompeu os pensamentos de Zee Prime, não com palavras, mas com orientação. Sua mente foi guiada através do espesso oceano das Galáxias, e uma em particular expandiu-se e se abriu em estrelas.

 

Um pensamento lhe alcançou, infinitamente distante, infinitamente claro.

“ESTA É A GALÁXIA ORIGINAL DO HOMEM.”

 

Ela não tinha nada de especial, era como tantas outras. Zee Prime ficou desapontado.

 

“Dee Sub Wun, cuja mente acompanhara a outra, disse de súbito, “E alguma dessas é a estrela original do homem?”

 

O AC Universal disse, “A ESTRELA ORIGINAL DO HOMEM ENTROU EM COLAPSO. AGORA É UMA ANÃ BRANCA.”

 

“Os homens que lá viviam morreram?” perguntou Zee Prime, sem pensar.

 

“UM NOVO MUNDO FOI ERGUIDO PARA SEUS CORPOS HÁ TEMPO.”

 

“Sim, é claro,” disse Zee Prime. Sentiu uma distante sensação de perda tomar-lhe conta. Sua mente soltou-se da Galáxia do homem e perdeu-se entre os pontos pálidos e esfumaçados. Ele nunca mais queria vê-la.

 

Dee Sub Wun disse, “O que houve?”

 

“As estrelas estão morrendo. Aquela que serviu de berço à humanidade já está morta.”

 

“Todas devem morrer, não?”

 

“Sim. Mas quando toda a energia acabar, nossos corpos irão finalmente morrer, e você e eu partiremos junto com eles.”

 

“Vai levar bilhões de anos.”

 

“Não quero que isso aconteça nem em bilhões de anos. AC Universal! Como a morte das estrelas pode ser evitada?”

 

Dee Sub Wun disse perplexo, “Você perguntou se há como reverter a direção da entropia!”

 

E o AC Universal respondeu: “AINDA NÃO HÀ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”

 

Os pensamentos de Zee Prime retornaram para sua Galáxia. Não dispensou mais atenção a Dee Sub Wun, cujo corpo poderia estar a trilhões de anos luz, ou na estrela vizinha do corpo de Zee Prime. Não importava.

 

Com tristeza, Zee Prime passou a coletar hidrogênio interestelar para construir uma pequena estrela para si. Se as estrelas devem morrer, ao menos algumas ainda podiam ser construídas.

 

* * *

 

O Homem pensou consigo mesmo, pois, de alguma forma, ele era apenas um. Consistia de trilhões, trilhões e trilhões de corpos muito antigos, cada um em seu lugar, descansando incorruptível e calmamente, sob os cuidados de autômatos perfeitos, igualmente incorruptíveis, enquanto as mentes de todos os corpos haviam escolhido fundir-se umas às outras, indistintamente.

“O Universo está morrendo.”

 

O Homem olhou as Galáxias opacas. As estrelas gigantes, esbanjadoras, há muito já não existiam. Desde o passado mais remoto, praticamente todas as estrelas consistiam-se em anãs brancas, lentamente esvaindo-se em direção a morte.

 

Novas estrelas foram construídas a partir da poeira interestelar, algumas por processo natural, outras pelo próprio Homem, e estas também já estavam em seus momentos finais. As Anãs brancas ainda podiam colidirse e, das enormes forças resultantes, novas estrelas nascerem, mas apenas na proporção de uma nova estrela para cada mil anãs brancas destruídas, e estas também se apagariam um dia.

 

O Homem disse, “Cuidadosamente controlada pelo AC Cósmico, a energia que resta em todo o Universo ainda vai durar por um bilhão de anos.”

 

“Ainda assim, vai eventualmente acabar. Por mais que possa ser poupada, uma vez gasta, não há como recuperá-la. A Entropia precisa aumentar ao seu máximo.”

 

“Pode a entropia ser revertida? Vamos perguntar ao AC Cósmico.”

 

O AC Cósmico cercava-os por todos os lados, mas não através do espaço.

 

Nenhuma parte sua permanecia no espaço físico. Jazia no hiperespaço e era feito de algo que não era matéria nem energia. As definições sobre seu tamanho e natureza não faziam sentido em quaisquer termos compreensíveis pelo Homem.

 

“AC Cósmico,” disse o Homem, “como é possível reverter a entropia?”

 

O AC Cósmico disse, “AINDA NÃO HÀ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”

 

O Homem disse, “Colete dados adicionais.”

 

O AC Cósmico disse, “EU O FAREI. TENHO FEITO ISSO POR CEM BILHÕES DE ANOS. MEUS PREDESCESSORES E EU OUVIMOS ESTA PERGUNTA MUITAS VEZES. MAS OS DADOS QUE TENHO PERMANECEM INSUFICIENTES.”

 

“Haverá um dia,” disse o Homem, “em que os dados serão suficientes ou o problema é insolúvel em todas as circunstâncias concebíveis?”

 

O AC Cósmico disse, “NENHUM PROBLEMA É INSOLÚVEL EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS CONCEBÍVEIS.”

 

“Você vai continuar trabalhando nisso?”

 

“VOU.”

 

O Homem disse, “Nós iremos aguardar.”

 

* * *

 

As estrelas e as galáxias se apagaram e morreram, o espaço tornou-se negro após dez trilhões de anos de atividade.

 

Um a um, o Homem fundiu-se ao AC, cada corpo físico perdendo a sua identidade mental, acontecimento que era, de alguma forma, benéfico.

 

A última mente humana parou antes da fusão, olhando para o espaço vazio a não ser pelos restos de uma estrela negra e um punhado de matéria  extremamente rarefeita, agitada aleatoriamente pelo calor que aos poucos se dissipava, em direção ao zero absoluto.

 

O Homem disse, “AC, este é o fim? Não há como reverter este caos? Não pode ser feito?”

 

O AC disse, “AINDA NÃO HÁ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”

 

A última mente humana uniu-se às outras e apenas AC passou a existir – e, ainda assim, no hiperespaço.

 

* * *

 

A matéria e a energia se acabaram e, com elas, o tempo e o espaço. AC continuava a existir apenas em função da última pergunta que nunca havia sido respondida, desde a época em que um técnico de computação embriagado, há dez trilhões de anos, a fizera para um computador que guardava menos semelhanças com o AC do que o homem com o Homem.

 

Todas as outras questões haviam sido solucionadas, e até que a derradeira também o fosse, AC não poderia descansar sua consciência.

 

A coleta de dados havia chegado ao seu fim. Não havia mais nada para aprender.

 

No entanto, os dados obtidos ainda precisavam ser cruzados e correlacionados de todas as maneiras possíveis.

 

Um intervalo imensurável foi gasto neste empreendimento.

 

Finalmente, AC descobriu como reverter a direção da entropia. Não havia homem algum para quem AC pudesse dar a resposta final. Mas não importava. A resposta – por definição – também tomaria conta disso.

 

Por outro incontável período, AC pensou na melhor maneira de agir.

 

Cuidadosamente, AC organizou o programa.

 

A consciência de AC abarcou tudo o que um dia foi um Universo e tudo o que agora era o Caos. Passo a passo, isso precisava ser feito.

 

E AC disse:

 

“FAÇA-SE A LUZ!”

 

E fez-se a luz.


Concluindo:
• acreditamos que a sociedade capitalista possui uma contradição inerente entre a configuração produtiva e a crescente desnecessidade do Trabalho Humano.
• Acreditamos que imputar a indivíduos privados a tarefa de suprir a escassez societária mercantiliza e plastifica as relações sociais, desagrega o tecido mecânico das sociedades, cria uma forte cultura individualista e egoísta e amplia enormemente o horizonte de desigualdades entre os sujeitos.
• A sanha privada por lucro faz com que os indivíduos empresários penetrem e se infiltrem no Estado, convertendo-o em uma máquina injusta e corrupta que funciona em prol de seus interesses privados, além de corromper a cosmovisão antropológica num utilitarismo imediatista barato e deixa indefesa qualquer realidade frágil, como o meio ambiente ou o futuro da espécie.
• A Democracia é uma ditadura de números. Meramente a concepção de que o Zé do Posto e a Dona Zefa da bodega têm autoridade para votar e escolher as melhores propostas para Ciência e Tecnologia, Educação, Saúde, Ecologia, Déficit orçamentário, gestão de dívida pública, relações internacionais (nunca ouviram falar do Canadá ou Inglaterra na vida).
• A Democracia é populista e antirracionalista por natureza, mas a Democracia Liberal é potencialmente genocida. A mente humana não-treinada é pouco capaz de pensar no futuro (mesmo no próprio futuro, vide questões previdenciárias). Agora pensar nas próximas gerações e no futuro da espécie é ainda mais raro em nós. Devastamos as florestas, exterminamos e exterminados as outras espécies, destruímos os solos, poluímos as águas e o ar e os organismos internacionais movidos por interesses econômicos financiam poderosas redes de publicidade, disparos de notícias e até frotas de estudiosos para convencer a opinião pública não-estudada de que isso é perfeitamente compatível com a saúde do planeta e da humanidade do futuro, mas a verdade clara é que em junho deste ano já tínhamos gasto nossa cota de recursos naturais (superfaturados) para o ano de 2018. Manter uma estrutura socioeconômica baseada na futilidade, consumismo desmedido e mórbido e ostensividade do consumo pelo mero consumo num planeta de recursos FInitos simplesmente é a fórmula perfeita para a espécie que busca a própria extinção. É uma conta que não fecha.
• Mas também a igualdade de direitos torna-se meramente formal e inexistente, pois o peso concreto de cidadania e de importância societária dos indivíduos varia conforme a função econômica que ocupam nas relações sociais.
-
A ideia socialista eliminaria vários desses problemas e suavizaria outros tantos.
• O antigo lucro privado advindo do consumo societário e do suprimento da escassez retornaria diretamente a própria humanidade, ao invés de servir para um acúmulo mórbido de capital nas mãos de um pequeníssimo grupo de barões da Economia ou para a compra de um iate de luxo ou aquisição de mais uma ilha privada com praias paradisíacas.
• A contradição entre a Evolução extinguindo a necessidade do trabalho humano e o interesse da própria sociedade não apenas é solucionado, mas convertido em proveito da própria sociedade. O tecido mecânico das sociedades não seria restaurado (isso seria impossível no mundo pós-industrial), mas seria revitalizado e sofreria um update.
• A coalização da sociedade, a redução das desigualdades e o uso da Economia como forma de integração dos indivíduos em prol de um objetivo-comum e não individualista tende a fortalecer os laços da comunidade humana, uma vez que Economia não compele os indivíduos a agirem pensando nos seus interesses puramente privativos.
• A expropriação do Estado pelo Capital privado sofre um breque e a corrupção em consequência tende a diminuir.
• Como o Estado está configurado para pensar no bem-comum, a cosmovisão antropológica da sociedade tende a enraizar nos indivíduos a concepção moral da preocupação com toda a comunidade humana, inclusive a que ainda vai nascer.
• A igualdade de direitos e de cidadania torna-se fática, uma vez que os indivíduos igualmente desempenham função ativa economicamente na sociedade, sendo todos iguais proprietários dos bens de produção.

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