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| Então, shall we begin (começemos)? |
Do pouco que sabemos sobre o universo em que vivemos, está claro que a matéria e a energia estabelecem constante relação de atrito. Seja com um simples meteorito chocando-se com uma lua de algum planeta qualquer, seja com um castor sendo infectado por uma bactéria, seja com o leão perseguindo o cervo com o intuito de devorá-lo.
Esse atrito a que nos referimos não se eximiu de tocar a matéria viva, estabelecendo entre os elementos vivos na Terra um grau de competitividade acirrado. Como a Evolução não é direcionada e não tem causalidade racional superior, as moléculas foram se arranjando e as espécies foram se agrupando num ecossistema que as formatou numa rede complexa de interações de forma dependente chamada de metabolismo biogeoquímico.
Ou seja, há uma cadeia alimentar permeando as relações dos indivíduos e estes que são bioquimicamente ordenados para cumprir o propósito de se reproduzir e sobreviver. Esta cadeia alimentar postula que para que um indivíduo obtenha energia para se manter vivo, este precisa (a maioria) absorver as células vivas de outros organismos vivos, degradando suas constituições através do anabolismo e catabolismo. Há também competitividade no que se refere à reprodução, busca por alimentação e o perigo de que a existência daquele outro elemento vivo, de uma população ou mesmo uma comunidade biológica crie situações em ato ou potência que coloquem em risco a vida do organismo configurado para sobreviver, comprometendo assim a sua segurança.
Importante também é citar que o estabelecimento (estudado pela Ecologia) das relações entre os seres vivos e a aliança que estes estabelecem entre aqueles que não oferecem risco imediato para aumentar a probabilidade de sobrevivência (evidentemente sobrevivência aqui engloba uma série de sub-itens, como se alimentar, se proteger de predadores) e de reprodução. Nos indivíduos dioicos, especialmente nos amniótas, esse grau de interação ganhou proporções e complexidades espantosas, desde as chamadas populações de peixes, pássaros, búfalos ou alcateias, até os nichos ecológicos comunitários com mutualismo, comensalismo, etc.
A natureza é amoral. E, assim como o leito de um rio, segue um trilho aleatório a partir de princípios e leis que nem sempre favorecem os postulados de Bem-Comum, o mesmo ocorre com o ecossistema.
Moral, Valor ou Importância só existem porque seres vivos existem. Sem seres vivos, a Terra seria uma mera rocha espacial. Nem relevante, nem irrelevante. Nesse cenário, Ecossocialistas veem a vida como particularmente singular. Um evento biogeoquímico raro com informações preciosas que necessitam de cuidado e preservação. Todas as vidas? sim. Até as das bactérias e ratos? Sim. No plano deontológico e teleológico, sustentamos e defendemos as propostas da Ética de Bem-Comum, que não é senão o sistema ético que, em qualquer que seja o cenário, objetivamente melhor oferta império da vida sobre a natureza e a consequente síntese da satisfação das suas necessidades utilitárias e elementares (a tendência a socializar, a desejar expandir-se, evoluir, ser livre, transitar de um estado de menor satisfação para um estado de maior satisfação, etc).
Voltando, essas propostas põe veganos em conflito direto com a forma como a vida foi organizada evolutivamente em nosso planeta. Em que pese o reconhecimento de que isso é verdade, também é verdade que tentar extrair (Falácia do Apelo à Natureza) moral da atual configuração da natureza enquanto tal desemboca em Falácia non sequitur, já que não há conexão imediata entre natureza e moralidade. Não é porque é de nossa natureza comer carne de outros mamíferos (somos onívoros) que isso é em si mesmo bom, justo ou certo. Doenças são naturais e, geralmente, não se reputa a elas o ônus de uma moralidade positiva.
Portanto, a adoção dessa perspectiva Ética que seguimos impele à única espécie racional sobrevivente - nós -, abarcar(mos) a responsabilidade de guardiões da natureza, dos ambientes favoráveis à vida e de todas as formas de vidas e (nos) impor a tarefa de guardar e preservar as formas de vida enquanto informações raras no universo; (Ir, portanto, contornando as bestialidades da natureza). É importante salientar que negamos que haja uma hierarquia ontológica nas espécies. Não reconhecemos a espécie humana como superior ou inferior a qualquer outra, exceto na lógica circunstancial que envolve a Filosofia de Bem-Comum (ou seja, somos nós - por enquanto - os únicos arranjos capazes de apreender razão, logo, não seria interessante eleger o boi como tutor da vida, mas este caminha automaticamente para o lugar de tutelado).
Esta tarefa de Proteger a Vida com suas devidas condicionantes naturais nos faz utilitariamente hierarquizar as diferentes formas de vida a partir de critérios bem estabelecidos que tendem a ser maximizados à medida em que nós mesmos progredimos como dominadores da natureza através da Ciência e progressivamente trabalhemos para dela abolir as Cadeias Alimentares.
No topo estão os seres humanos, como única espécie racional conhecida e a única, por consequência, capaz de ser protetora das espécies irracionais enquanto seres que são, assim como bebês ou deficientes humanos, incapazes juridicamente. Depois teremos as espécies encefálicas, vertebradas e mamíferas, reconhecidas como aquelas bioquimicamente mais complexas e, portanto, mais importantes. Segue-se as plantas, organismos mais simples como artrópodes, anelídeos e nematelmintos, seres menos complexos como os unicelulares e, finalmente, os semi-vivos como os vírus e mimivírus.A resolução dos conflitos entre esses seres vivos (dentro de um contexto de existência de cadeias alimentares) levará em consideração os critérios da complexidade inerente do ser vivo envolvido (um boi e uma formiga analisados per si), da complexidade relativa do ser vivo envolvido (no conflito entre um ser humano e o o último gorila macho da Terra, por exemplo, a vida do gorila deve ser prioridade), da ausência de alternativas para evitar o conflito (ao invés de matar a aranha, procure capturá-la e soltá-la em algum matagal, se possível) e da intervenção humana no processo. Seja como for, remover a vida de um ser vivo nunca deve ser fonte de alegria e sempre deve ser pautado pelo Princípio de Proporcionalidade (daí porque condenamos o consumo de carne, o uso desse alimento para fins de festejo, como um churrasco e, especialmente, a utilização da vida das outras espécies em manifestações culturais degeneradas e sem razão-de-ser, como rodeios, vaquejadas ou touradas). Somos melhores do que essa pequenez. :) Ame e proteja os indefesos.
Trouxe a evolução das espécies e a dinâmica brutal da engrenagem histórica que a única espécie viva atualmente fosse o homo sapiens sapiens, que impôs-se sobre os demais hominídeos racionais e semirracionais sob extinção e/ou fundiu-se com eles via acasalamento.
Essa espécie carrega de fábrica algumas características interessantes sobre as quais vale a pena pensar. Na ordem primates, da qual fazemos parte, os mamíferos são placentários, o que condiciona o surgimento daquilo que chamaremos de famílias, ou seja, o indivíduo é gerado no ambiente intra-uterino da gestante e, ao nascer, permanece sob os cuidados desta - pelo menos no nosso caso - até que atinja um grau de autonomia e de independência. Por sua vez, um dos progenitores dentro da orbe dioica é compelido dentro do panorama genético-hormonal/instintivo a cuidar do nascituro e do nativivo, o que demanda uma intensa e complexa interação entre ambos por um intervalo de tempo que varia.Essa interação foi ressaltada na Família Hominidae pela seleção natural, que se deparou com um dilema: reduzir o tamanho do encéfalo do homo erectus para que ele passasse pelos quadris da fêmea na idade propícia, consequentemente reduzindo seu crescente grau de racionalidade ou ejetar o feto para fora do útero antes da idade propícia (prematuros), mas preservando o tamanho do seu encéfalo. A seleção natural atuou no sentido de privilegiar esta última, o que acarretou no ônus de que nossa prole ficou muito dependente dos progenitores, embora bem mais inteligente na idade adulta. Para se fazer uma comparação, uma onça pintada atinge a idade adulta aos 2 anos, já um ser humano residente no Brasil necessita legalmente de 18 anos (e alguns muito mais, rs). Isso foi muito bom do ponto de vista da interação grupal. Se tivesse ocorrido diferente, hoje seríamos muito mais egoístas do que o que somos.
Aqui temos a progenitura da família. Observa-se na natureza que um grande número de espécimes está configurada para abandonar seus progenitores logo ao nascer ou pouco tempo depois. Definitivamente não é o nosso caso.
Quem já assistiu o desesperador Planet of the Aples (Planeta dos Macacos) de 1968, com sua veemente crítica à guerra fria, certamente ficou impactado com a cena do final do filme (alerta para spoiller, rs) quando o personagem Taylor chega ao deserto do planeta dos macacos, no sítio arqueológico, e descobre a estátua da liberdade enterrada na areia, constatando com horror que, na verdade, não viajara para um planeta desconhecido e sim para a América o futuro, em que a humanidade havia sido destruída e ele era o único ser humano racional que restou.
O filme entrou para a história do cinema porque mexe de maneira muito criativa com um instinto básico do ser humano, o coletivista. Somos homo socialis, isso significa que, em geral, gostamos de viver em comunidade, agrupados e odiamos a ideia eremítica. Aqueles de nós que costumam, mesmo dentro da sociedade, estar isolados, costumam adquirir doenças psicológicas sérias. O nível de dependência familiar mencionado propiciou em nossa espécie o desenvolvimento de um hormônio pelo sistema endócrino denominado ocitonina, que é uma substância muito relacionada com aquilo que chamamos de 'empatia' - ou seja, a capacidade de gostar do outro, de sentir a dor do outro, de querer ajudar o outro. O mais interessante é que a sua função primordial não é essa. Originalmente, a ocitocina é liberada, nas mulheres, durante as contrações uterinas do parto e durante a ejeção de leite nos anos de amamentação; já nos homens, é principalmente liberada durante o contato físico com sua prole.
Em síntese, é direcionada aos filhos, mas também tem importância em parceiros de longa data. Trata-se, portanto, de um belo recurso biológico para que cuidemos das relações duradouras e da descendência que delas resulta. Em todos os indivíduos vivos hoje e que vivem em bando, percebe-se uma grande cooperação entre os membros do bando e o desenvolvimento natural de determinados mecanismos colaborativos que corroboram para a um sistema de integração na busca por alimentos, abrigo, proteção contra predadores, etc. Mas não é novidade que temos afeição especial pelos familiares mais próximos - é uma estratégia que nos garante bons resultados, dada a reciprocidade e a segurança resultantes. Nesse círculo mais íntimo, é possível ver as maiores atitudes consideradas altruístas, bem como a proteção familiar que beira o nepotismo.
Poderíamos ter moralidade sem um senso de empatia? Em outras palavras, teríamos comportamentos morais sem a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro? É improvável, até porque é assim que vemos psicopatas ou sociopatas: como pessoas que nunca tiveram ou que perderam a capacidade de se desprender de seus interesses mais mesquinhos em proveito do não-sofrimento alheio. A empatia - relacionada à ocitonina -, portanto, é a expansão desse carinho dedicado aos familiares próximos e aos distantes por mecanismos de associação. Já dizia Dale Carnegie que "uma bolha no próprio pescoço interessa uma pessoa mais que quarenta terremotos na África".
O egoísmo e interesse prioritário pela satisfação das nossas necessidades, portanto, fazem em menor ou maior grau parte de nossa configuração biológica. Para além disso, o interesse prioritário e egoísta pela satisfação das necessidades do nosso círculo de convívio mais próximo também integra nosso atual patrimônio genético. Ao compreendermos a ocitocina e sua interação com outros hormônios e os genes, poderíamos usá-la para termos resultados mais (ou menos) empáticos em todas as pessoas. Como consequência, seríamos todos mais (ou menos) empáticos e tenderíamos a escolhas moralmente mais (ou menos) adequadas (a observar determinado panorama teleológico).
Em algum momento, esses hominídeos socialis e que eram nômades caçadores-coletores começaram os primeiros processos de sedentarismo. As cidades começaram a ser construídas no Baixo e Alto Egito e na Mesopotâmia, aqui, já estamos no Neolítico, graças ao surgimento das cidades e da Revolução Agropastoril, a Demografia nas cidades passou a crescer em demasia e a acentuação da estratificação social (e do cooperativismo) fizeram-se notar.
Uma vez que entendemos (rever ponto 1.5) que a configuração natural biológica nos ordenou a certo arranjo, mas que isso não implica que ele seja bom, certo ou justo, passamos neste momento a fazer um juízo de valor sobre o status da conceição dos corpos humanos e das famílias no florescer dos homo sapiens, colocando nosso ponto sobre seus aspectos positivos e negativos.
Primeiro, sobre os corpos individuais, subscrevo o conteúdo deste Artigo a respeito da Eugenia. Sobre os demais aspectos, sigamos na exposição.
As Bases Fundamentais do Socialismo alicerçam-se num reconhecimento humilde da pequenez da humanidade frente ao espaço e ao tempo enquanto motores históricos. Reconhecemos que os indivíduos da espécie sapiens são bolotas biológicas de carne e sangue que se espetadas, vazam e morrem e que estão programados para sobreviver, reproduzir (não necessariamente nessa ordem e também não é uma regra absoluta, pois temos muita gente na sociedade que não quer ter filhos ou é suicida, por exemplo), cada uma dessas condicionantes genéricas desdobra-se em uma série de necessidades que buscamos suprir, saindo de um estado de menor satisfação para um estado de maior satisfação. Além disso, temos uma série de outras necessidades derivadas de instintos que herdamos (todas relativas, sem sentido absoluto e arbitrárias) como viver em sociedade ou assistir nossa espécie dominando a natureza, etc.
Há no cosmos a imposição da escassez. Nessa imposição, temos necessidades e instintos (sobre os quais já falamos) sob uma realidade de atrito, conflituosa. Nessa realidade, a violência se impôs a nossa espécie através de um ditame da natureza: o Princípio da Força, que estabelece que o mais forte subjuga o mais fraco em ato e/ou potência, se for da vontade daquele. Por Força, aqui, referimo-nos ao conjunto de recursos de que A dispõe para impor-se com violência em relação a B e/ou resistir à natureza. Temos dois pontos a destacar aqui: o primeiro é que consideramos uma grande variedade de recursos que auxiliam nesse processo de imperatividade, como a força muscular, a capacidade bélica, os caninos, as garras, a velocidade, a razão, a astúcia, a altura, as habilidades, a capacidade de convencimento, o uso do ambiente, etc, etc, etc, etc... A segunda é que a força é um processo sintético de relacionamento dos litigantes uns com os outros e de todos com a própria natureza/meio externo. Então, quando Tício peleja contra Mévio - desarmado e sem conseguir levantar - no final "daquele" filme e termina por se desequilibrar e cair de um penhasco, Mévio foi mais forte porque, na disputa entre ambos, Tício não possuía asas ou outros recursos que lhe possibilitassem impor-se contra Mévio e resistir à natureza simultaneamente.

Assistimos esse princípio em ação quando Plutus acha um osso na lixeira. Brutus considera o osso suculento e deseja satisfazer sua necessidade com aquele osso sob posse de Plutus. Brutus é mais forte e violenta Plutus, utilizando a violência como instrumento para subtrair o osso em seu proveito. Na ordem primates, da qual nós fazemos parte, a cooperação em determinadas espécies (como os chimpanzés, os bonobos e, claro, a gente) é bem mais complexa. Os membros do grupo desenvolvem hierarquias e lideranças e, algo que rudemente, lembra um sistema de governo. Como os bandos vivem juntos, cabe a cada um buscar fortalecer suas chances de sobrevivência aumentando progressivamente a unanimidade do grupo. De certa forma, isso também é visto em matilhas de lobos, leões ou ainda de bonobos, chimpanzés que ascendem líderes e se relacionam numa dinâmica de agressões, dominações e violências onde um subjuga o outro e toma o poder de liderança, anexa ou perde territórios, etc.
Isso também se aplica, claro, aos australopithecus, com o processo de deformação das florestas no oriente africano e as espécies sendo obrigadas a se adaptarem às savanas (processo que privilegia o bipedismo), os australopithecus sobreviviam com o processo de colaboração entre os membros para, por exemplo, descerem de uma árvore e, em conjunto, enganarem predadores, até que conseguissem chegar à outra árvore, no auxílio, utilizavam paus, pedras ou coisas do tipo... Esse processo de colaboração entre os membros de uma determinada população favoreceu o surgimento de uma moralidade, afinal, numa vida em conjunto, aos poucos, cada indivíduo carregava sobre si determinadas funções que precisava desempenhar.... Era o “certo” e o “errado” em seu nascedouro.
De modo que, uma vez que somos homo socialis e mamíferos que vivem em bando, quando desenvolvemos a habilidade de racionalizar o porquê das coisas (um processo biohistórico lentíssimo), já existia sociedade e Estado. E, nesse cenário, limitamo-nos a processar progressivamente respostas (as vezes mitológicas) questionando realidades e princípios da vida (como o da Força) que eram anteriores, exteriores e coercitivas a nós mesmos: por que morremos? por que nascemos? como as crianças surgem? por que devemos entregar parte de nossos alimentos aos silos do Faraó? por que precisamos comer?
A partir da dinâmica da violência, temos a imposição de normas arbitrárias, violentas, coercitivas, impositivas, relativas, culturais, que se modificam no tempo e, no mesmo tempo, modificam-se no espaço... essas normas legitimam a criação de direitos, dentre os quais, propriedade privada e Estado.
E o que é uma Norma Jurídica??
É a conjunção de duas proposições de causa-consequência unidas arbitrariamente pelo ente violento, que segue o script/fórmula: Se F, → P. Se ¬P (leia-se não-P), → S, onde:
F → Fato Juridicamente Relevante.
P → Prescrição
S → Sanção.
Explicando melhor: imagine um raio que caiu no mar, esse é um mero Fato da Natureza, mas se esse mesmo raio cair na ponte da aldeia, esse será um Fato Juridicamente Relevante. A distinção entre um Fato e um Fato Juridicamente Relevante são os valores que cada um de nós tirou da bunda, pois, do que sabemos, não há evidências que PROVEM que X valor é errado, certo ou que varia... As pessoas observam um Fato da Natureza. A esse Fato dão status de Juridicamente Relevante e, sobre ele, jogam diferentes valores. (1) Devemos taxar os ricos para consertar a ponte; (2) devemos privatizar a ponte; (3) devemos obrigar os escravos a consertar, (4) devemos destruir a ponte e a humanidade, pois esta é a vontade de Thor.... esses valores guerrearão e aqui entra o mecanismo da violência e aquele mais violento dominará os demais, se apoderará do poder e converterá sua arbitrariedade valorativa em norma.
Ou seja, se F (ex: um raio caiu na ponte da aldeia), então P (ex: os escravos devem consertá-la). Se ¬P (os escravos não consertarem a ponte), então S (devem receber 50 chibatadas todos os dias, por 7 dias).
Não existindo evidências para postular existência de direitos naturais, entendemos que você nasce, você acontece e você está aqui. Então, você usa a violência privada para buscar a felicidade e suprir as necessidades, como as da Pirâmide de Maslow. O relacionamento do agente com bens é uma relação de arbitrariedade com o meio, em que o elo de ligação é mera abstração mental. Você vê uma árvore de maçãs e diz que aquela árvore é sua. Ou poderia dizer que o Brasil é seu, ou mesmo o universo... Mas, a propriedade privada não existe de fato. Ela é uma mera abstração que a mente racional aplica sobre grandezas distintas quando, na verdade, não existe absolutamente nenhum fio ou um elo que una naturalmente o indivíduo à propriedade privada. Daí que o elemento legitimador da propriedade é a força (violência) e, nesse sentido, concordamos com Durkheim e com Weber, sendo o Estado a instituição ou o conjunto de instituições que, unidas, detêm o monopólio do uso legítimo da violência.
Nesse cenário de valores relativos e arbitrários que tentam se impor uns sobre os outros, o Utilitarismo é um conversor da Ética em Instrumental apático que seleciona as proposições de dever-ser que objetivamente mais satisfazem, são mais propícias a determinado valor. As correlaciona, coordena, sintetiza, filtra, classifica, cataloga e relaciona num sistema coeso e que está para qualquer sistema ético, seja a Ética Católica, Liberal, de Bem-Comum, Islâmica, de não-Agressão, etc. (embora alguns neguem tolamente isso). Aqui, defendemos as propostas da Ética Utilitária de Bem-Comum, especificamente, que se propõe a ordenar as genéricas necessidades elementares da vida, fugindo da dor e perseguindo o prazer, e estabelecer qual conjuntura social é a mais proveitosa para satisfazer o máximo dessas necessidades do máximo possível de indivíduos, como Stuart Mill bem demonstrou. Tudo se restringe a algo do tipo: queremos X (sobreviver, reproduzir, viver em sociedade, etc) sob condições Y (limitações naturais), portanto, devemos fazer Z (sistema social mais vantajoso). Z não é absoluto, é relativo.... mas é objetivo e acreditamos que Z é o socialismo. Contudo, esta é um fase do debate que deve ficar para outro momento. Voltemos para os pressupostos epistemológicos.
Portanto, os sistemas que tecem suas ideologias partindo do pressuposto de que suas ideias emanaram de direitos naturais não gozam de nossa estima, pois reputamos como inexistentes as evidências que respaldam a tese de que direitos naturais existam. Do que sabemos sobre o cosmos, entendemos os Sistemas de Direito como dados culturais: criações fundamentalmente arbitrárias e artificiais da humanidade. Naturalmente, você não tem direito a nada.... simplesmente porque eles, os direitos, não existem. Tem um corpo biológico fruto de arranjos moleculares e tem racionalidade, que é uma habilidade fruto de um cérebro avantajado que cresceu demais por causa da seleção natural... o Sartre, um socialista, dizia que o ser humano é como um besouro rodando sem parar em torno de uma luz e achando que a luz existe porque ele precisa dar voltas em torno da luz, logo, naturalmente, a luz foi criada para ele. Esta é, acreditamos, a postura daqueles que clamam, sem evidências, pela existência de direitos naturais.
Há uma resistência psíquica fruto de uma negação infantil em ver a si mesmo como existente e tão naturalmente relevante quanto o sol, uma zebra, um meteoro, uma galinha, um planeta distante, uma bactéria, etc. Teria a pedra o direito natural de não ser jogada no Rio ou de não ser transformada em um assento? Ou teria a galinha o direito natural de não virar creme?
À medida em que entendemos o Direito como criação humana, reconhecemos por conseguinte que a auto propriedade não existe naturalmente, embora seja estabelecida artificialmente mediante uma conveniência utilitarista que também legitima várias outros sistemas de normas de conveniência, inclusive o Socialismo. E cada indivíduo não é proprietário de si mesmo (naturalmente) porque não existe propriedade natural, assim como não há direitos naturais. Novamente, você só existe, como uma pedra, como o sol. Como auto propriedade não existe, também não há propriedade privada natural fruto de qualquer ação que o homem empregue sobre o entorno.
Como:
1 - não há evidências de que direitos naturais existam e nada pertence naturalmente a alguém;
2 - todos os elementos da norma são arbitrários, violentos, impositivos, coercitivos, relativos, culturais, positivistas... Quem tem o poder pode inserir o que quiser na prescrição, nos fatos juridicamente relevantes e na sanção, logo, até onde sabemos, o F, P e S que você mais preza é tão arbitrário, violento, impositivo, coercitivo, relativo, cultural e positivista quanto qualquer outro F, P e S que qualquer ditador sanguinário já cagou por aí;
3 - podendo (não confundir poder com dever) qualquer Estado tomar a força uma propriedade que se diga pertencer a um indivíduo ou mesmo a outro Estado;
4 - E, se é assim, se o Direito é um dado cultural, um mero exercício de dominação de uns sobre os outros, então, ficamos todos numa posição em que nos encontramos perfeitamente à vontade para desenhar as regras da sociedade na qual gostaríamos de viver. E está fundamentado o nosso juspositivismo a partir do Princípio da Força.
5 - acreditando que a sociedade se organizar a partir de uma conjuntura socialista seria interessante para a satisfação das necessidades utilitárias e elementares da vida (que agora passaremos a resumir com o termo Bem-Comum, se me permitem), não detectamos qualquer contradição filosófica na ideologia Socialista.
A Última Pergunta -
Isaac Asimov
Alexander Adell e
Bertram Lupov eram dois dos fiéis assistentes de Multivac. Eles conheciam
melhor do que qualquer outro ser humano o que se passava por trás das milhas e
milhas da carcaça luminosa, fria e ruidosa daquele gigantesco computador. Ainda
assim, os dois homens tinham apenas uma vaga noção do plano geral de circuitos
que há muito haviam crescido além do ponto em que um humano solitário poderia
sequer tentar entender.
Multivac
ajustava-se e corrigia-se sozinho. E assim tinha de ser, pois nenhum ser humano
poderia fazê-lo com velocidade suficiente, e tampouco da forma adequada. Deste
modo, Adell e Lupov operavam o gigante apenas sutil e superficialmente, mas,
ainda assim, tão bem quanto era humanamente possível. Eles o alimentavam com
novos dados, ajustavam as perguntas de acordo com as necessidades do sistema e
traduziam as respostas que lhes eram fornecidas. Os dois, assim como seus
colegas, certamente tinham todo o direito de compartilhar da glória que era
Multivac.
Por décadas,
Multivac ajudou a projetar as naves e enredar as trajetórias que permitiram ao
homem chegar à Lua, Marte e Vênus, mas para além destes planetas, os parcos
recursos da Terra não foram capazes de sustentar a exploração. Fazia-se
necessária uma quantidade de energia grande demais para as longas viagens. A
Terra explorava suas reservas de carvão e urânio com eficiência crescente, mas
havia um limite para a quantidade de ambos.
No entanto,
lentamente Multivac acumulou conhecimento suficiente para responder questões
mais profundas com maior fundamentação, e em 14 de maio de 2061, o que não
passava de teoria tornou-se real.
A energia do sol
foi capturada, convertida e utilizada diretamente em escala planetária. Toda a
Terra paralisou suas usinas de carvão e fissões de urânio, girando a alavanca
que conectou o planeta inteiro a uma pequena estação, de uma milha de diâmetro,
orbitando a Terra à metade da distância da Lua. O mundo passou a correr através
de feixes invisíveis de energia solar.
Sete dias não foram
o suficiente para diminuir a glória do feito e Adell e Lupov finalmente
conseguiram escapar das funções públicas e encontrar-se em segredo onde ninguém
pensaria em procurá-los, nas câmaras desertas subterrâneas onde se encontravam
as porções do esplendoroso corpo enterrado de Multivac. Subutilizado,
descansando e processando informações com estalos preguiçosos, Multivac também
havia recebido férias, e os dois apreciavam isso. A princípio, eles não tinham
a intenção de incomodá-lo.
Haviam trazido uma
garrafa consigo e a única preocupação de ambos era relaxar na companhia do
outro e da bebida.
“É incrível quando
você pára pra pensar…,” disse Adell. Seu rosto largo guardava as linhas da
idade e ele agitava o seu drink vagarosamente, enquanto observava os cubos de
gelo nadando desengonçados. “Toda a energia que for necessária, de graça,
completamente de graça! Energia suficiente, se nós quiséssemos, para derreter
toda a Terra em uma grande gota de ferro líquido, e ainda assim não sentiríamos
falta da energia utilizada no processo. Toda a energia que nós poderíamos um
dia precisar, para sempre e eternamente.”
Lupov movimentou a
cabeça para os lados. Ele costumava fazer isso quando queria contrariar, e
agora ele queria, em parte porque havia tido de carregar o gelo e os
utensílios. “Eternamente não,” ele disse.
“Ah, diabos, quase
eternamente. Até o sol se apagar, Bert.”
“Isso não é
eternamente.”
“Está bem. Bilhões
e bilhões de anos. Dez bilhões, talvez. Está satisfeito?” - Lupov passou os
dedos por entre seus finos fios de cabelo como que para se assegurar de que o
problema ainda não estava acabado e tomou um gole gentil da sua bebida.
“Dez bilhões de
anos não é a eternidade”
“Bom, vai durar
pelo nosso tempo, não vai?”
“O carvão e o
urânio também iriam.”
“Está certo, mas
agora nós podemos ligar cada nave individual na Estação Solar, e elas podem ir
a Plutão e voltar um milhão de vezes sem nunca nos preocuparmos com o
combustível. Você não conseguiria fazer isso com carvão e urânio. Se não
acredita em mim, pergunte ao Multivac.”
“Não preciso
perguntar a Multivac. Eu sei disso”
“Então trate de
parar de diminuir o que Multivac fez por nós,” disse Adell nervosamente, “Ele
fez tudo certo”.
“E quem disse que
não fez? O que estou dizendo é que o sol não vai durar para sempre. Isso é tudo
que estou dizendo. Nós estamos seguros por dez bilhões de anos, mas e depois?”
Lupov apontou um dedo levemente trêmulo para o companheiro. “E não venha me
dizer que nós iremos trocar de sol”
Houve um breve
silêncio. Adell levou o copo aos lábios apenas ocasionalmente e os olhos de
Lupov se fecharam. Descansaram um pouco, e quando suas pálpebras se abriram,
disse, “Você está pensando que iremos conseguir outro sol quando o nosso
estiver acabado, não está?”
“Não, não estou
pensando.”
“É claro que está.
Você é fraco em lógica, esse é o seu problema. É como o personagem da história,
que, quando surpreendido por uma chuva, corre para um grupo de árvores e
abriga-se embaixo de uma. Ele não se preocupa porque quando uma árvore fica molhada
demais, simplesmente vai para baixo de outra.”
“Entendi,” disse
Adell. “Não precisa gritar. Quando o sol se for, as outras estrelas também
terão se acabado.”
“Pode estar certo
que sim” murmurou Lupov. “Tudo teve início na explosão cósmica original, o que
quer que tenha sido, e tudo terá um fim quando as estrelas se apagarem. Algumas
se apagam mais rápido que as outras. Ora, as gigantes não duram cem milhões de
anos. O sol irá brilhar por dez bilhões de anos e talvez as anãs permaneçam
assim por duzentos bilhões. Mas nos dê um trilhão de anos e só restará a
escuridão. A entropia deve aumentar ao seu máximo, e é tudo.”
“Eu sei tudo sobre
a entropia,” disse Adell, mantendo a sua dignidade.
“Duvido que saiba.”
“Eu sei tanto
quanto você.”
“Então você sabe
que um dia tudo terá um fim.”
“Está certo. E quem
disse que não terá?”
“Você disse, seu
tonto. Você disse que nós tínhamos toda a energia de que precisávamos, para
sempre. Você disse ´para sempre`.”
Era a vez de Adell
contrariar. “Talvez nós possamos reconstruir as coisas de volta um dia,” ele
disse.
“Nunca.”
“Por que não? Algum
dia.”
“Nunca”
“Pergunte a
Multivac.”
“Você pergunta a
Multivac. Eu te desafio. Aposto cinco dólares que isso não pode ser feito.”
Adell estava bêbado
o bastante para tentar, e sóbrio o suficiente para construir uma sentença com
os símbolos e as operações necessárias em uma questão que, em palavras,
corresponderia a esta: a humanidade poderá um dia sem nenhuma energia
disponível ser capaz de reconstituir o sol a sua juventude mesmo depois de sua
morte?
Ou talvez a
pergunta possa ser posta de forma mais simples da seguinte maneira: A
quantidade total de entropia no universo pode ser revertida? Multivac mergulhou
em silêncio. As luzes brilhantes cessaram, os estalos distantes pararam.
E então, quando os
técnicos assustados já não conseguiam mais segurar a respiração, houve uma
súbita volta à vida no visor integrado àquela porção de Multivac. Cinco
palavras foram impressas: “DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”
Na manhã seguinte,
os dois, com dor de cabeça e a boca seca, já não lembravam do incidente.
* * *
Jerrodd, Jerrodine,
e Jerrodette I e II observavam a paisagem estelar no visor se transformar
enquanto a passagem pelo hiperespaço consumava-se em uma fração de segundos. De
repente, a presença fulgurante das estrelas deu lugar a um disco solitário e
brilhante, semelhante a uma peça de mármore centralizada no televisor.
“Este é X-23,”
disse Jerrodd em tom de confidência. Suas mãos finas se apertaram com força por
trás das costas até que as juntas ficassem pálidas.
As pequenas
Jerodettes haviam experimentado uma passagem pelo hiperespaço pela primeira vez
em suas vidas e ainda estavam conscientes da sensação momentânea de tontura.
Elas cessaram as risadas e começaram a correr em volta da mãe, gritando, “Nós
chegamos em X-23, nós chegamos em X-23!”
“Quietas,
crianças.” Disse Jerrodine asperamente. “Você tem certeza Jerrodd?”
“E por que não
teria?” Perguntou Jerrodd, observando a protuberância metálica que jazia abaixo
do teto. Ela tinha o comprimento da sala, desaparecendo nos dois lados da
parede, e, em verdade, era tão longa quanto a nave.
Jerrodd tinha
conhecimentos muito limitados acerca do sólido tubo de metal. Sabia, por
exemplo, que se chamava Microvac, que era permitido lhe fazer questões quando
necessário, e que ele tinha a função de guiar a nave para um destino
pré-estabelecido, além de abastecer-se com a energia das várias Estações
Sub-Galácticas e fazer os cálculos para saltos no hiperespaço.
Jerrodd e sua
família tinham apenas de aguardar e viver nos confortáveis compartimentos da
nave. Alguém um dia disse a Jerrodd que as letras “ac” na extremidade de
Microvac significavam “automatic computer” em inglês arcaico, mas ele mal era
capaz de se lembrar disso.
Os olhos de
Jerrodine ficaram úmidos quando observava o visor. “Não tem jeito. Ainda não me
acostumei com a idéia de deixar a Terra.”
“Por que, meu
deus?” inquiriu Jerrodd. “Nós não tínhamos nada lá. Nós teremos tudo em X-23.
Você não estará sozinha. Você não será uma pioneira. Há mais de um milhão de
pessoas no planeta. Por Deus, nosso bisneto terá que procurar por novos mundos
porque X-23 já estará super povoado.” E, depois de uma pausa reflexiva, “No
ritmo em que a raça tem se expandido, é uma benção que os computadores tenham
viabilizado a viagem interestelar.”
“Eu sei, eu sei”,
disse Jerrodine com descaso.
Jerrodete I disse
prontamente, “Nosso Microvac é o melhor de todos.”
“Eu também acho,”
disse Jerrodd, alisando o cabelo da filha.
Ter um Microvac
próprio produzia uma sensação aconchegante em Jerrodd e o deixava feliz por
fazer parte daquela geração e não de outra. Na juventude de seu pai, os únicos
computadores haviam sido máquinas monstruosas, ocupando centenas de milhas
quadradas, e cada planeta abrigava apenas um. Eram chamados de ACs Planetários.
Durante um milhar de anos, eles só fizeram aumentar em tamanho, até que, de
súbito, veio o refinamento. No lugar dos transistores, foram implementadas
válvulas moleculares, permitindo que até mesmo o maior dos ACs Planetários
fosse reduzido à metade do volume de uma espaçonave.
Jerrodd sentiu-se
elevado, como sempre acontecia quando pensava que seu Microvac pessoal era
muitas vezes mais complexo do que o antigo e primitivo Multivac que pela
primeira vez domou o sol, e quase tão complexo quanto o AC Planetário da Terra,
o maior de todos, quando este solucionou o problema da viagem hiperespacial e
tornou possível ao homem chegar às estrelas.
“Tantas estrelas,
tantos planetas,” pigarreou Jerrodine, ocupada com seus pensamentos. “Eu acho
que as famílias estarão sempre à procura de novos mundos, como nós estamos
agora.”
“Não para sempre,”
disse Jerrodd, com um sorriso. “A migração vai terminar um dia, mas não antes
de bilhões de anos. Muitos bilhões. Até as estrelas têm um fim, você sabe. A
entropia precisa aumentar.”
“O que é entropia,
papai?” Jerrodette II perguntou, interessada.
“Entropia, meu bem,
é uma palavra para o nível de desgaste do Universo. Tudo se gasta e acaba, foi
assim que aconteceu com o seu robozinho de controle remoto, lembra?”
“Você não pode
colocar pilhas novas, como em meu robô?”
“As estrelas são as
pilhas do universo, querida. Uma vez que elas estiverem acabadas, não haverá
mais pilhas.”
Jerrodette I se
prontificou a responder. “Não deixe, papai. Não deixe que as estrelas se
apaguem.”
“Olha o que você
fez,” sussurrou Jerrodine, exasperada.
“Como eu ia saber
que elas ficariam assustadas?” Jerrodd sussurrou de volta.
“Pergunte ao
Microvac,” propôs Jerrodette I. “Pergunte a ele como acender as estrelas de
novo.”
“Vá em frente,”
disse Jerrodine. “Ele vai aquietá-las.” (Jerrodette II já estava começando a
chorar.)
Jerrodd se mostrou
incomodado. “Bem, bem, meus anjinhos, vou perguntar a Microvac. Não se
preocupem, ele vai nos ajudar.”
Ele fez a pergunta
ao computador, adicionando, “Imprima a resposta”. Jerrodd olhou para a o fino
pedaço de papel e disse, alegremente, “Viram?
Microvac disse que
irá cuidar de tudo quando a hora chegar, então não há porque se preocupar.”
Jerrodine disse, “E
agora crianças, é hora de ir para a cama. Em breve nós estaremos em nosso novo
lar.”
Jerrodd leu as
palavras no papel mais uma vez antes de destruí-lo: DADOS INSUFICIENTES PARA
RESPOSTA SIGNIFICATIVA.
Ele deu de ombros e
olhou para o televisor, X-23 estava logo à frente.
* * *
VJ-23X de Lameth
fixou os olhos nos espaços negros do mapa tridimensional em pequena escala da
Galáxia e disse, “Me pergunto se não é ridículo nos preocuparmos tanto com esta
questão.”
MQ-17J de Nicron balançou
a cabeça. “Creio que não. No presente ritmo de expansão, você sabe que a
galáxia estará completamente tomada dentro de cinco anos.”
Ambos pareciam
estar nos seus vinte anos, ambos eram altos e tinham corpos perfeitos.
“Ainda assim,”
disse VJ-23X, “hesitei em enviar um relatório pessimista ao Conselho
Galáctico.”
“Eu não consigo
pensar em outro tipo de relatório. Agite-os. Nós precisamos chacoalhá-los um
pouco.”
VJ-23X suspirou. “O
espaço é infinito. Cem bilhões de galáxias estão a nossa espera. Talvez mais.”
“Cem bilhões não é
o infinito, e está ficando menos ainda a cada segundo. Pense! Há vinte mil
anos, a humanidade solucionou pela primeira vez o paradigma da utilização da
energia solar, e, poucos séculos depois, a viagem interestelar tornou-se
viável. A humanidade demorou um milhão de anos para encher um mundo pequeno e,
depois disso, quinze mil para abarrotar o resto da galáxia. Agora a população
dobra a cada dez anos…”
VJ-23X interrompeu.
“Devemos agradecer à imortalidade por isso.”
“Muito bem. A
imortalidade existe e nós devemos levá-la em conta. Admito que ela tenha o seu
lado negativo. O AC Galáctico já solucionou muitos problemas, mas, ao fornecer
a resposta sobre como impedir o envelhecimento e a morte, sobrepujou todas as
outras conquistas.”
“No entanto,
suponho que você não gostaria de abandonar a vida.”
“Nem um pouco.”
Respondeu MQ-17J, emendando. “Ainda não. Eu não estou velho o bastante. Você
tem quantos anos?”
“Duzentos e vinte e
três, e você?”
“Ainda não cheguei
aos duzentos. Mas, voltando à questão; a população dobra a cada dez anos, uma
vez que esta galáxia estiver lotada, haverá uma outra cheia dentro de dez anos.
Mais dez e teremos ocupado por inteiro mais duas galáxias. Outra década e
encheremos mais quatro. Em cem anos, contaremos um milhar de galáxias
transbordando de gente. Em mil anos, um milhão de galáxias. Em dez mil, todo o
universo conhecido. E depois?
VJ-23X disse, “Além
disso, há um problema de transporte. Eu me pergunto quantas unidades de energia
solar serão necessárias para movimentar as populações de uma galáxia para
outra.”
“Boa questão. No
presente momento, a humanidade consome duas unidades de energia solar por ano.”
“Da qual a maior
parte é desperdiçada. Afinal, nossa galáxia sozinha produz mil unidades de
energia solar por ano e nós aproveitamos apenas duas.”
“Certo, mas mesmo
com 100% de eficiência, podemos apenas adiar o fim. Nossa demanda energética
tem crescido em progressão geométrica, de maneira ainda mais acelerada do que a
população. Ficaremos sem energia antes mesmo que nos faltem galáxias. É uma boa
questão. De fato uma ótima questão.”
“Nós precisaremos
construir novas estrelas a partir do gás interestelar.”
“Ou a partir do
calor dissipado?” perguntou MQ-17J, sarcástico.
“Pode haver algum
jeito de reverter a entropia. Nós devíamos perguntar ao AC [Analog Computer]
Galáctico.”
VJ-23X não estava
realmente falando sério, mas MQ-17J retirou o seu Comunicador-AC do bolso e
colocou na mesa diante dele.
“Parece-me uma boa
idéia,” ele disse. “É algo que a raça humana terá de enfrentar um dia.”
Ele lançou um olhar
sóbrio para o seu pequeno Comunicador-AC. Tinha apenas duas polegadas cúbicas e
nada dentro, mas estava conectado através do hiperespaço com o poderoso AC
Galáctico que servia a toda a humanidade. O próprio hiperespaço era parte
integral do AC Galáctico.
MQ-17J fez uma
pausa para pensar se algum dia em sua vida imortal teria a chance de ver o AC
Galáctico. A máquina habitava um mundo dedicado, onde uma rede de raios de
força emaranhados alimentava a matéria dentro da qual ondas de submésons haviam
tomado o lugar das velhas e desajeitadas válvulas moleculares. Ainda assim,
apesar de seus componentes etéreos, o AC Galáctico possuía mais de mil pés de
comprimento.
De súbito, MQ-17J
perguntou para o seu Comunicador-AC, “Poderá um dia a entropia ser revertida?”
VJ-23X disse,
surpreso, “Oh, eu não queria que você realmente fizesse essa pergunta.”
“Por que não?”
“Nós dois sabemos
que a entropia não pode ser revertida. Você não pode construir uma árvore de
volta a partir de fumaça e cinzas.”
“Existem árvores no
seu mundo?” Perguntou MQ-17J.
O som do AC
Galáctico fez com que silenciassem. Sua voz brotou melodiosa e bela do pequeno
Comunicador-AC em cima da mesa. Dizia:
DADOS INSUFICIENTES
PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.
VJ-23X disse,
“Viu!”
Os dois homens
retornaram à questão do relatório que tinham de apresentar ao conselho
galáctico.
* * *
A mente de Zee
Prime navegou pela nova galáxia com um leve interesse nos incontáveis
turbilhões de estrelas que pontilhavam o espaço. Ele nunca havia visto aquela
galáxia antes. Será que um dia conseguiria ver todas? Eram tantas, cada uma com
a sua carga de humanidade. Ainda que essa carga fosse, virtualmente, peso
morto. Há tempos a verdadeira essência do homem habitava o espaço.
Mentes, não corpos!
Há eons os corpos imortais ficaram para trás, em suspensão nos planetas. De
quando em quando erguiam-se para realizar alguma atividade material, mas estes
momentos tornavam-se cada vez mais raros. Além disso, poucos novos indivíduos
vinham se juntar à multidão incrivelmente maciça de humanos, mas o que
importava? Havia pouco espaço no universo para novos indivíduos.
Zee Prime deixou
seus devaneios para trás ao cruzar com os filamentos emaranhados de outra
mente.
“Sou Zee Prime, e
você?”
“Dee Sub Wun. E a
sua galáxia, qual é?”
“Nós a chamamos
apenas de Galáxia. E você?”
“Nós também. Todos
os homens chamam as suas Galáxias de Galáxias, não é?”
“Verdade, já que
todas as Galáxias são iguais.”
“Nem todas. Alguma
em particular deu origem à raça humana. Isso a torna diferente.”
Zee Prime disse,
“Em qual delas?”
“Não posso
responder. O AC Universal deve saber.”
“Vamos perguntar?
Estou curioso.”
A percepção de Zee
Prime se expandiu até que as próprias Galáxias encolhessem e se transformassem
em uma infinidade de pontos difusos a brilhar sobre um largo plano de fundo.
Tantos bilhões de Galáxias, todas abrigando seus seres imortais, todas contando
com o peso da inteligência em mentes que vagavam livremente pelo espaço. E
ainda assim, nenhuma delas se afigurava singular o bastante para merecer o
título de Galáxia original. Apesar das aparências, uma delas, em um passado
muito distante, foi a única do universo a abrigar a espécie humana.
Zee Prime, imerso
em curiosidade, chamou: “AC Universal! Em qual Galáxia nasceu o homem?”
O AC Universal
ouviu, pois em cada mundo e através de todo o espaço, seus receptores faziam-se
presentes. E cada receptor ligava-se a algum ponto desconhecido onde se
assentava o AC Universal através do hiperespaço.
Zee Prime sabia de
um único homem cujos pensamentos haviam penetrado no campo de percepção do AC
Universal, e tudo o que ele viu foi um globo brilhante difícil de enxergar, com
dois pés de comprimento.
“Como pode o AC
Universal ser apenas isso?” Zee Prime perguntou. “A maior parte dele permanece
no hiperespaço, onde não é possível imaginar as suas proporções.”
Ninguém podia, pois
a última vez em que alguém ajudou a construir um AC Universal jazia muito
distante no tempo. Cada AC Universal planejava e construía seu sucessor, no
qual toda a sua bagagem única de informações era inserida.
O AC Universal
interrompeu os pensamentos de Zee Prime, não com palavras, mas com orientação.
Sua mente foi guiada através do espesso oceano das Galáxias, e uma em
particular expandiu-se e se abriu em estrelas.
Um pensamento lhe
alcançou, infinitamente distante, infinitamente claro.
“ESTA É A GALÁXIA
ORIGINAL DO HOMEM.”
Ela não tinha nada
de especial, era como tantas outras. Zee Prime ficou desapontado.
“Dee Sub Wun, cuja
mente acompanhara a outra, disse de súbito, “E alguma dessas é a estrela
original do homem?”
O AC Universal disse,
“A ESTRELA ORIGINAL DO HOMEM ENTROU EM COLAPSO. AGORA É UMA ANÃ BRANCA.”
“Os homens que lá
viviam morreram?” perguntou Zee Prime, sem pensar.
“UM NOVO MUNDO FOI
ERGUIDO PARA SEUS CORPOS HÁ TEMPO.”
“Sim, é claro,”
disse Zee Prime. Sentiu uma distante sensação de perda tomar-lhe conta. Sua
mente soltou-se da Galáxia do homem e perdeu-se entre os pontos pálidos e
esfumaçados. Ele nunca mais queria vê-la.
Dee Sub Wun disse,
“O que houve?”
“As estrelas estão
morrendo. Aquela que serviu de berço à humanidade já está morta.”
“Todas devem
morrer, não?”
“Sim. Mas quando
toda a energia acabar, nossos corpos irão finalmente morrer, e você e eu
partiremos junto com eles.”
“Vai levar bilhões
de anos.”
“Não quero que isso
aconteça nem em bilhões de anos. AC Universal! Como a morte das estrelas pode
ser evitada?”
Dee Sub Wun disse
perplexo, “Você perguntou se há como reverter a direção da entropia!”
E o AC Universal
respondeu: “AINDA NÃO HÀ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”
Os pensamentos de
Zee Prime retornaram para sua Galáxia. Não dispensou mais atenção a Dee Sub
Wun, cujo corpo poderia estar a trilhões de anos luz, ou na estrela vizinha do
corpo de Zee Prime. Não importava.
Com tristeza, Zee
Prime passou a coletar hidrogênio interestelar para construir uma pequena
estrela para si. Se as estrelas devem morrer, ao menos algumas ainda podiam ser
construídas.
* * *
O Homem pensou
consigo mesmo, pois, de alguma forma, ele era apenas um. Consistia de trilhões,
trilhões e trilhões de corpos muito antigos, cada um em seu lugar, descansando
incorruptível e calmamente, sob os cuidados de autômatos perfeitos, igualmente
incorruptíveis, enquanto as mentes de todos os corpos haviam escolhido
fundir-se umas às outras, indistintamente.
“O Universo está
morrendo.”
O Homem olhou as
Galáxias opacas. As estrelas gigantes, esbanjadoras, há muito já não existiam.
Desde o passado mais remoto, praticamente todas as estrelas consistiam-se em
anãs brancas, lentamente esvaindo-se em direção a morte.
Novas estrelas
foram construídas a partir da poeira interestelar, algumas por processo
natural, outras pelo próprio Homem, e estas também já estavam em seus momentos
finais. As Anãs brancas ainda podiam colidirse e, das enormes forças
resultantes, novas estrelas nascerem, mas apenas na proporção de uma nova
estrela para cada mil anãs brancas destruídas, e estas também se apagariam um
dia.
O Homem disse,
“Cuidadosamente controlada pelo AC Cósmico, a energia que resta em todo o
Universo ainda vai durar por um bilhão de anos.”
“Ainda assim, vai
eventualmente acabar. Por mais que possa ser poupada, uma vez gasta, não há
como recuperá-la. A Entropia precisa aumentar ao seu máximo.”
“Pode a entropia
ser revertida? Vamos perguntar ao AC Cósmico.”
O AC Cósmico
cercava-os por todos os lados, mas não através do espaço.
Nenhuma parte sua
permanecia no espaço físico. Jazia no hiperespaço e era feito de algo que não
era matéria nem energia. As definições sobre seu tamanho e natureza não faziam
sentido em quaisquer termos compreensíveis pelo Homem.
“AC Cósmico,” disse
o Homem, “como é possível reverter a entropia?”
O AC Cósmico disse,
“AINDA NÃO HÀ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”
O Homem disse,
“Colete dados adicionais.”
O AC Cósmico disse,
“EU O FAREI. TENHO FEITO ISSO POR CEM BILHÕES DE ANOS. MEUS PREDESCESSORES E EU
OUVIMOS ESTA PERGUNTA MUITAS VEZES. MAS OS DADOS QUE TENHO PERMANECEM
INSUFICIENTES.”
“Haverá um dia,”
disse o Homem, “em que os dados serão suficientes ou o problema é insolúvel em
todas as circunstâncias concebíveis?”
O AC Cósmico disse,
“NENHUM PROBLEMA É INSOLÚVEL EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS CONCEBÍVEIS.”
“Você vai continuar
trabalhando nisso?”
“VOU.”
O Homem disse, “Nós
iremos aguardar.”
* * *
As estrelas e as
galáxias se apagaram e morreram, o espaço tornou-se negro após dez trilhões de
anos de atividade.
Um a um, o Homem
fundiu-se ao AC, cada corpo físico perdendo a sua identidade mental,
acontecimento que era, de alguma forma, benéfico.
A última mente
humana parou antes da fusão, olhando para o espaço vazio a não ser pelos restos
de uma estrela negra e um punhado de matéria
extremamente rarefeita, agitada aleatoriamente pelo calor que aos poucos
se dissipava, em direção ao zero absoluto.
O Homem disse, “AC,
este é o fim? Não há como reverter este caos? Não pode ser feito?”
O AC disse, “AINDA
NÃO HÁ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”
A última mente
humana uniu-se às outras e apenas AC passou a existir – e, ainda assim, no hiperespaço.
* * *
A matéria e a
energia se acabaram e, com elas, o tempo e o espaço. AC continuava a existir
apenas em função da última pergunta que nunca havia sido respondida, desde a
época em que um técnico de computação embriagado, há dez trilhões de anos, a
fizera para um computador que guardava menos semelhanças com o AC do que o
homem com o Homem.
Todas as outras
questões haviam sido solucionadas, e até que a derradeira também o fosse, AC
não poderia descansar sua consciência.
A coleta de dados
havia chegado ao seu fim. Não havia mais nada para aprender.
No entanto, os
dados obtidos ainda precisavam ser cruzados e correlacionados de todas as
maneiras possíveis.
Um intervalo
imensurável foi gasto neste empreendimento.
Finalmente, AC
descobriu como reverter a direção da entropia. Não havia homem algum para quem
AC pudesse dar a resposta final. Mas não importava. A resposta – por definição
– também tomaria conta disso.
Por outro
incontável período, AC pensou na melhor maneira de agir.
Cuidadosamente, AC
organizou o programa.
A consciência de AC
abarcou tudo o que um dia foi um Universo e tudo o que agora era o Caos. Passo
a passo, isso precisava ser feito.
E AC disse:
“FAÇA-SE A LUZ!”
E fez-se a luz.





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