Ética de Bem-Comum e a Eugenia como Recurso de Progresso



Eu sou progressista. E o progressismo que eu advogo consiste no progresso, a evolução da humanidade segundo os valores e o projeto que eu acredito, que devem triunfar sobre seus adversários. Oras, seres humanos possuem dois vetores de influência: cultura e biologia. Todas as discussões políticas e sociais orbitam em edições no fator de influência da cultura. A Eugenia consiste em, levando em consideração o vetor de influência biológico, interferir nele. Explicando:

O significado original de Eugenia, cunhado por Francis Galton (primo de Charles Darwin), é "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente." A prática da Eugenia seria: "A implantação da seleção artificial programada, metódica e sistematizada, quer espontânea ou como política pública, de seres humanos, levando-se em consideração e fazendo uso do acervo do conhecimento científico obtido, visando adicionar, reforçar, desestimular ou remover características biológicas indesejáveis nos indivíduos humanos de um grupo, para com isso editar o patrimônio biológico desse grupo." Portanto, o conceito de eugenia capturava um duplo aspecto: o estudo científico de como as características hereditárias são transmitidas e uma ação político-social consciente de usar o conhecimento a respeito dos mecanismos compreendidos para direcionar a evolução no caminho de nossa escolha. Posteriormente, a Ciência Genética foi criada e assumiu o ramal de estudo do primeiro aspecto da Eugenia.

Assim define Walter Veit (Can ‘eugenics’ be defended?, 2021): "O termo 'eugenia' (que significa 'bom nascimento') foi cunhado por Francis Galton em 1883 para capturar a ideia de que deveríamos usar os conhecimentos da nova ciência da hereditariedade para melhorar o bem-estar das pessoas futuras (Levine 2017). Mas, tal como Galton entendia o termo, a eugenia envolvia tanto o estudo da hereditariedade como a utilização deste conhecimento pelos pais para moldar as suas escolhas reprodutivas. É mais comum agora distinguir nitidamente o estudo da genética (um termo que só foi cunhado em 1905) da eugenia. Por exemplo, no seu recente livro "The Ethics of the New Eugenics" MacKellar e Bechtel definem a eugenia como envolvendo “estratégias ou decisões destinadas a afetar, de uma forma considerada positiva, a herança genética de uma criança, de uma comunidade ou da humanidade em geral” (2016, p. 3). Se usarmos esta definição, muitos bioeticistas contemporâneos apoiam a eugenia (por exemplo, Savulescu, 2001; Brock, 2005; Buchanan e Powell, 2011; Gyngell e Selgelid, 2016). … A eugenia sempre teve defensores que rejeitaram o papel do Estado na orientação das escolhas procriativas, defensores que pensavam que o Estado deveria desempenhar um papel limitado na influência da escolha dos pais, fornecendo informações aos futuros pais ou subsídios para intervenções genéticas, e defensores que pensavam que o Estado deveria desempenhar um papel significativo, incluindo o uso de compulsão extensiva."

Os eugenistas devem ser distinguidos com relação aos alvos da intervenção deles, em como pretendem implantar a seleção artificial e em quais seriam as propriedades biológicas do grupo humano alvo da intervenção proposta.

Com relação aos alvos da intervenção eugênica, esse pode ser variado e vai depender das ideias ideológicas e do objetivo do grupo eugenista. Pode ser uma família, os habitantes de um país, de uma cidade, um grupo de amigos, uma parcela da humanidade com certa característica, toda a humanidade, etc. Com relação a como pretendem implantar essa seleção artificial, isso também varia muito.

Para fins de distinção, os Eugenistas podem ser separados entre eugenistas raciais, eugenistas etnocêntricos, eugenistas de fanfic e o grupo ao qual eu me incluo, que são os eugenistas que defendem a seleção para remoção ou reforço de características universalmente associadas com o desejável, como doenças e incapacidades associadas. Vou chamar esse último grupo de eugenia benigna. O grupo alvo da eugenia que eu defendo é o coletivo de toda a humanidade. A forma como a eugenia se implanta varia, pode ser implantada matando os indivíduos com a característica negativa, impondo a dominação de uns sobre os outros, impedindo ou desestimulando que os indivíduos com certa característica sejam fecundados. Eu defendo a eugenia que se aplica através de intervenção antes que os indivíduos nasçam e dando preferência a medidas de desestímulo e não-coercitivas. Evidentemente me oponho aos demais projetos eugenistas citados acima.

Dando alguns detalhes sobre essa questão controversa. A Eugenia sempre foi aplicada na humanidade. A título de exemplo, Na República (459e), Sócrates pergunta a Glauco: "se não fosse cuidado na criação deles, seus cães e pássaros iriam se deteriorar muito, certo?" Glaucon concorda, e Sócrates continua, “os melhores homens devem ter relações sexuais com as melhores mulheres com a maior frequência possível, e o oposto é verdadeiro para os muito inferiores.” Portanto, desde há muito existiu e foi aplicada, seja a de uma família que não quer que nenhum membro seu se reproduza com alguém com certa característica biológica, "manchando a família" (o que poderíamos chamar de eugenia espontânea), até a extensão disso: todo um povo se isolando e promovendo políticas sociais (que interferem na biologia) para acentuar características biológicas locais com as quais eles têm identificação ou rejeitar características que eles consideram negativas, seja como reforço racialista da comunidade, seja interferindo em povos inimigos para que eles desenvolvam, acentuem ou permaneçam com características biológicas indesejadas, seja para selecionar artificialmente uma característica biológica na realidade inexistente, o que eu denomino de "engenharia de fanfic". Que embora tenha por objetivo a expansão de uma característica imaginária e, portanto, irreal, a engrenagem de seleção que constroem é bastante real e muitíssimo capaz de produzir consequências socioculturais concretas e, claro, muito sofrimento, desastres e inclusive disgenia. A eugenia benigna também sempre foi recorrente na humanidade, é bem conhecido o costume dos persas de matar suas crianças deficientes. E quantos pais de família ao longo do tempo não fizeram o mesmo com descendentes "mal-nascidos" que eram para eles "motivo de vergonha"? Da mesma forma, quantos casamentos não foram impedidos porque um dos cônjuges tinha uma deficiência ou porque um ancestral do cônjuge o tinha (e daí o medo de que futuramente os filhos do casal viessem a desenvolver isso?). Em tudo isso podemos ver que os eugenistas raciais, etnocêntricos e de fanfic's evidentemente se relacionam entre si intrinsecamente. E ver também que o termo "benigno" não deve nos enganar. Mesmo entre aqueles que promovem uma "eugenia benigna", a forma como isso se implanta também é totalmente relevante e, caso o modo de aplicação seja ruim, o sistema social derivado disso pode ser muito maligno.

A disgenia da sociedade foi fonte de preocupação para Darwin e Galton, em particular para este último. Galton fez uma ampla análise de pesquisas pós-Revolução Industrial entre os ingleses e observou que, já na época dele, nas sociedades industrializadas modernas, os casais menos instruídos optavam por ter menos filhos e atrasar a reprodução, para perseguir outras ambições. Os estudos que ele analisava e divulgava demonstavam "uma correlação inversa entre fertilidade e estatuto socioeconômico, com a taxa de natalidade aparentemente a cair muito mais acentuadamente entre as classes média e média alta do que entre os trabalhadores e trabalhadores agrícolas” (Diane Paul e James Moore - The darwinian context: evolution and inheritance, 2010). Darwin também faz observações nesse sentido. Em seu livro A Descendência do Homem (1871), ele especula sobre os efeitos potencialmente disgênicos dos programas de bem-estar social. Nesse livro, ele ainda aconselha que "ambos os sexos deveriam abster-se do casamento se forem, em algum grau, acentuadamente inferiores em corpo ou mente”, mas advertia que "tal as esperanças são utópicas e nunca serão realizadas, mesmo parcialmente, até que as leis da herança sejam completamente conhecidas."

Jonathan Anomaly em seu Artigo Defending eugenics [Monash Bioeth Rev. 2018; 35(1): 24–35. doi: 10.1007/s40592-018-0081-2]: "As escolhas reprodutivas constituem um enorme problema de ação coletiva intergeracional. Em quase todos os países desenvolvidos do mundo, as pessoas que são adequadas para ter filhos têm taxas de natalidade relativamente baixas, mas as pessoas do futuro estariam em melhor situação se as pessoas com características hereditárias que valorizamos tivessem uma proporção maior de filhos. O problema da ação coletiva que as escolhas reprodutivas criam é muito mais difícil de resolver do que a mudança climática antropogênica, a resistência a antibióticos e outros problemas com estrutura semelhante. Também é muito mais perigoso tentar resolver. Charles Darwin reconheceu o problema das tendências reprodutivas disgênicas e os perigos de possíveis soluções. … Por “disgênico” quero dizer a proliferação de pessoas com características prejudiciais ao bem-estar humano. Um exemplo seria uma característica como sadismo, psicopatia ou inteligência extremamente baixa. … Seu primo, Francis Galton, um polímata que fundou o movimento eugenista, compartilhava o diagnóstico de Darwin, mas era mais otimista quanto às soluções. Darwin temia que nas nações desenvolvidas “os membros imprudentes, degradados e muitas vezes cruéis da sociedade, tendem a crescer em um ritmo mais rápido do que os membros previdentes e geralmente virtuosos” (Darwin 1882, p. 138). … Darwin argumentou que os programas de bem-estar social para os pobres e doentes são uma expressão natural de nossa simpatia, mas também um perigo para as populações futuras se encorajarem pessoas com doenças congênitas graves e características hereditárias como baixos níveis de controle de impulso, inteligência ou empatia a se reproduzirem. em taxas mais altas do que outras pessoas na população. Ele conclui: “Se os vários freios [de doenças infecciosas, fome e celibato involuntário] não impedem que os membros imprudentes, perversos e inferiores da sociedade aumentem a um ritmo mais rápido do que a melhor classe de homens, a nação retrocederá, como ocorreu com muita frequência na história do mundo. Devemos lembrar que o progresso não é uma regra invariável” (1882, p. 140). Embora a linguagem de Darwin seja chocante para os leitores contemporâneos, devemos levá-lo a sério. Os programas de eugenia implementados na Alemanha nazista são provavelmente a principal razão pela qual a maioria das pessoas não reconhece mais que pode haver alguma verdade nas preocupações de Darwin. … É impressionante que, além de racistas e cruéis, as políticas nazistas tivessem efeitos disgênicos. A tentativa de Hitler de exterminar os judeus Ashkenazi – indiscutivelmente entre as pessoas mais inteligentes e produtivas do século XX – não era apenas moralmente ultrajante, mas contrário ao que qualquer programa de eugenia razoável esperaria alcançar."

Os teóricos do "homo sovieticus", como Bernard Shaw, escreviam no século passado sobre como a eugenia poderia ser enquadrada no projeto Socialista. Em "Man and Superman", Shaw escreve: "O único socialismo possível e fundamental é a socialização da procriação seletiva do homem." Prossegue defendendo claramente a abolição do casamento tradicional e a sua substituição por uma poligamia eugenicamente favorável, dirigida por um “Departamento Estatal de Evolução”, sob os auspícios de uma nova “religião eugênica”. E por isso propunha inclusive uma "fazenda de criação humana" para "eliminar os caipiras cujo voto enfraquece a commonwealth".

Frise-se que quando menciona “religião eugênica”, Bernard Shaw está remetendo a um conceito já bem presente nos leitores eugenistas. Desde a sua origem, a eugenia foi concebida como 'Ersatzreligion', uma religião alternativa que deveria substituir a religião tradicional europeia. Em seus 'Ensaios sobre Eugenia' (1909) Francis Galton dizia claramente que a Eugenia deveria ser introduzida “como uma nova religião”. No 'Inquiries into Human Faculty' (1883), Galton reproduz um ensaio de 1872 intitulado “Pesquisa estatística sobre a eficácia da prece” no qual conclui que as preces religiosas eram superstições não eram atendidas, porém a ciência da eugenia poderia servir de nova fé secular, ou religião civil, a redimir e purificar o homem do século XX. A eugenia era estava destinada a tornar-se "a doutrina religiosa ortodoxa do futuro. … dogma religioso para a humanidade." Nos 'Essays' de 1909, Galton chega a falar em "jihad ou guerra santa [contra] os costumes e preconceitos … [que pudessem] debilitar as qualidades físicas e morais da nossa raça. … Em suma, a eugenia é um credo viril, prenhe de esperança e apelo aos mais nobres sentimentos da nossa natureza."

Nos círculos religiosos, sobretudo protestantes, a influência dos eugenistas foi profundíssima. Ferdinand Schiller, por exemplo, defendia a eugenia positiva, argumentando que era vontade de Deus um esforço mecânico para fazer a evolução avançar mais rapidamente. Também Robert Reid Rentoul foi no mesmo sentido, defendendo ser um dever cristão agir como representantes de Deus na boa criação humana. William Whetham e Catherine Whetham adaptam a linguagem bíblica: "Não somos apenas os protetores dos nossos irmãos, mas também os guardiões das características físicas, mentais e morais de seus mais remotos descendentes". Julien Huxley: "Quando forem apreendidas as implicações da biologia evolutiva, a eugenia fatalmente será parte da religião do futuro." Todas essas citações podem ser encontradas na obra de Donald Childs 'Modernism and Eugenics: Woolf, Eliot, Yeats, and the Culture of Degeneration'.

A própria feminista Margaret Sanger, fundadora do abortudo Planned Parenthood, já dizia: “Controle de natalidade… significa não apenas a limitação de nascimentos, mas a aplicação de orientação inteligente sobre o poder reprodutivo. Significa a substituição do jogo cego do instinto pela razão e pela inteligência." (The Pivot of Civilization, cap. 2). Sem a contracepção, temia Sanger, a civilização "será confrontada com o problema cada vez maior da debilidade mental, aquele pai fértil da degeneração, do crime e do pauperismo. … Uma vez que cada um de nós tem interesse em promover um ambiente em que as pessoas atuais e futuras floresçam, há boas razões para tornar a contracepção disponível. … A contracepção pode prevenir gravidezes indesejadas, cujas consequências sociais são amplamente suportadas." (op. cit., cap. 4). E Também John Stuart Mill (On Liberty, cap. 5, 1859): "Não é apenas na questão da educação que noções equivocadas de liberdade impedem que as obrigações morais por parte dos pais sejam reconhecidas e as obrigações legais sejam impostas … O próprio fato de causar a existência de um ser humano é uma dos as ações mais responsáveis no âmbito da vida humana. Assumir essa responsabilidade - conceder uma vida que pode ser uma maldição ou uma bênção - a menos que o ser a quem será concedido tenha pelo menos as chances comuns de uma existência desejável, é um crime contra esse ser. … são interferências do Estado para proibir um ato pernicioso – um ato prejudicial a outros, que deveria ser assunto de reprovação e estigma social, mesmo quando não é considerado conveniente adicionar punição legal."

A primeira lei de esterilização eugênica foi aprovada em Indiana em 1907. Quando a Virgínia aprovou uma lei semelhante em 1924, estava seguindo o exemplo de 15 outros estados americanos. Sem dúvidas foi os EUA e a Alemanha Nazista, seguida da Inglaterra, os três locais em que o Movimento Eugenista produziu mais legislação. Em "Racial hygiene: medicine under the Nazis", Robert Proctor analisa inclusive que a visão ariana de Hitler foi mais influenciada pelo movimento eugenista norteamericano do que por cientistas da própria Alemanha. Em 1927, a Suprema Corte dos Estados Unidos votou (Caso Buck v Bell) por uma margem de 8 a 1 para defender o direito do estado da Virgínia de esterilizar cidadãos “deficientes mentais”. A decisão Buck v Bell veio com a exposição do Ministro Holmes, escrevendo pela maioria, que argumentou que a Lei Eugênica tinha por premissa “a saúde do paciente e o bem-estar da sociedade podem ser promovidos em certos casos pela esterilização de deficientes mentais…". É, portanto, legítima a coação de deficientes mentais para que se submetam à esterilização, pois isso preserva o bem-estar do próprio deficiente e a impede de ter filhos que provavelmente imporão danos significativos a pessoas futuras. O juiz ainda compara o sacrifício do deficiente com o sacrifício dos soldados convocados para a guerra: "Vimos mais de uma vez que o bem-estar público pode convocar os melhores cidadãos para suas vidas. Seria estranho se não pudesse convocar aqueles que já minam a força do Estado para esses sacrifícios menores, muitas vezes não percebidos pelos interessados, a fim de evitar que sejamos inundados pela incompetência. É melhor para todo o mundo se, em vez de esperar para executar filhos degenerados pelo crime ou deixá-los morrer de fome por sua imbecilidade, a sociedade puder impedir aqueles que são manifestamente incapazes de continuar sua espécie. O princípio que sustenta a vacinação obrigatória é amplo o suficiente para abranger o corte das trompas de Falópio. Como dito no Jacobson v. Massachusetts, é lícito que um cidadão seja obrigado a se submeter a um procedimento se o custo para ele for insignificante em comparação com os benefícios sociais."

Embora poluídos pelo racismo da época, a estrutura do pensamento tem algo de aproveitável e não será descartado no futuro. Findo a guerra, porém, os socioconstrutivistas e naturalistas desbancaram os eugenistas liberais na ONU e na UNESCO. Como eram maioria no Comitê responsável por elaborar a Declaração sobre Raça da UNESCO, emitiram declarações que levaram Julian Huxley (eugenista liberal e, à época, Diretor da UNESCO) a publicar a Declaração dos biólogos e cientistas (a maioria dos membros do Comitê eram cientistas sociais) dissidentes que discordavam da Declaração. Embora ele próprio enfatizasse seu apoio ao repúdio ao racismo, ao nazismo e às formas coercitivas de eugenia, manifestava preocupação sobre a tomada da narrativa pelos socioconstrutivistas que negavam qualquer diferença racial/étnico entre os povos e repudiavam qualquer defesa da eugenia. Biólogos influentes concordaram com ele, incluindo JBS Haldane, Theodosius Dobzhansky e Hermann Mueller.

No seu Manifesto de 1946, explicando o objectivo da UNESCO, Julian Huxley argumentou que precisamos reconhecer as diferenças genéticas para termos instituições justas com políticas que funcionem para o bem de todos: “A desigualdade biológica é, obviamente, o facto fundamental no qual toda a eugenia se baseia… [O] objectivo principal da eugenia deveria ser o aumento do nível médio de todas as qualidades desejáveis. Embora possa haver disputa sobre certas qualidades, não pode haver disputa sobre algumas das mais importantes, como uma constituição corporal saudável, uma alta inteligência geral inata ou uma aptidão especial como a matemática ou a música.” E ainda sobre a eugenia: "Neste momento, é provável que o efeito indirecto da Civilização seja disgênico, ao invés de eugênico. E, em qualquer caso, parece provável que o peso morto da estupidez genética, da fraqueza física, da instabilidade mental e da propensão para doenças, que já existem na espécie humana, venha a revelar-se um fardo demasiado pesado para que o progresso real seja alcançado. Assim, embora seja verdade que qualquer política eugênica radical será, durante muitos anos política e psicologicamente impossível, será importante para a UNESCO garantir que o problema eugênico seja examinado com o maior cuidado e que a opinião pública seja informada das questões em jogo, de modo que muito do que agora é impensável possa, pelo menos, tornar-se pensável."

Embora muitos intelectuais tenham se distanciado da eugenia após a guerra, a prática dela nunca desapareceu. As esterilizações eugênicas continuaram a ocorrer em vários países do mundo, incluindo a Suécia e os Estados Unidos, até ao final do século XX (Kevles 1985). A decisão do Supremo Tribunal que autorizou a eugenia coerciva nos Estados Unidos em 1927, Buck v Bell, nunca foi anulada. Embora as esterilizações eugênicas só raramente sejam realizadas no início do século XXI, muitos Estados têm leis que permitem aos médicos esterilizar pacientes com deficiências mentais graves que correm o risco de engravidar e também que “pais caloteiros” que tenham filhos que não podem sustentar parem de se reproduzir.

Em 1963, a CIBA Foundation patrocinou um Simpósio chamado "Man and His Future" ['O Homem e o Seu Futuro'], que contou com a presença de alguns dos mais renomados estudiosos do século XX, incluindo Julian Huxley, e ganhadores do Nobel como Hermann Muller, Francis Crick e JamesWatson. Algumas das ideias defendidas incluíam o licenciamento parental, o pagamento de pessoas especialmente bem-sucedidas para se reproduzirem e o subsídio ao fornecimento de informação genética para que os pais pudessem fazer escolhas reprodutivas informadas (Francis Crick: Eugenics and genetics. In Man and His Future, 1963; Hermann Muller: Genetic progress by voluntarily conducted germinal choice, 1963).

Na sua obra (Eugenics and utopia, 1965), o eminente biólogo John Maynard Smith diz: "Melhores cuidados médicos e sociais tornam possível que pessoas que no passado teriam morrido sobrevivessem e tivessem filhos. Na medida em que os seus defeitos foram determinados geneticamente, é provável que sejam transmitidos aos seus filhos. Consequentemente, é provável que a frequência de defeitos geneticamente determinados na população aumente. … Estou convencido de que essas pessoas devam ser encorajadas a submeter-se à esterilização, mas duvido que tal esterilização deva ser obrigatória. A defesa da esterilização compulsória será mais forte quando aprendermos a reconhecer os heterozigotos antes que a doença se desenvolva."

Em 1978, Robert Edwards conseguiu gerar o primeiro bebê de proveta, Louise Brown. Anunciou ainda que já tinha conseguido separar todos os genes dos caucasianos nórdicos. Em 2010, ele foi agraciado com o Nobel de Medicina, sob protestos do Vaticano. Com a comercialização em escala industrial dos alimentos transgênicos, demos um salto nos anos 90, porque começamos a modificar geneticamente os vegetais e animais. Outro recurso controverso e há muito já largamente utilizado é o de Pre-Implantation Genetic Diagnosis (PGD) para selecionar os materiais genéticos ou mesmo os embriões que serão implantados, afim de escolher se o feto será menino ou menina.

Em "From Chance to Choice", 2000, Buchanan e os seus co-autores: "A educação sobre genética (em vez de eugenia) tanto nas escolas como nas notícias a mídia pode alertar o público para a possibilidade de evitar danos genéticos evitáveis. … Embora o nosso apoio [a um papel do Estado na influência das escolhas reprodutivas das pessoas] seja limitado de várias maneiras, não rejeitamos a tese de que a administração do patrimônio genético no interesse das gerações futuras é um papel apropriado para o Estado." (From chance to choice: Genetics and justice)

A verdade é que quando, em 2001, o diagnóstico genético pré-implantacional (DGP) e a fertilização in vitro (FIV) permitiram aos pais selecionar entre vários embriões, Julian Savulescu introduziu nessa nova modalidade de gravidez disponível para a humanidade o "Principle of Procreative Beneficence" [Princípio da Beneficência Procriativa (PPB)], dizendo que, quando da seleção dos embriões, os pais tinham a obrigação de escolher injetar no útero aqueles dos quais é esperado a melhor vida. Com a disponibilidade da Tecnologia CRISPR-Cas, a eugenia ressurge como um anexo que naturalmente vai ser apensada a esse Princípio adotado. Essa Tecnologia permite selecionar com precisão os genes causadores de certas características, como tendências para doenças, resistência, inteligência, força, mas também por questões relacionadas à altura, tendência à obesidade, etc.

Podemos visualizar o status quaestionis em artigos como o Jonathan Anomaly (Defending eugenics, 2018; 35(1): 24–35. doi: 10.1007/s40592-018-0081-2). Diz ele: "A eugenia pode ser pensada como qualquer tentativa de aproveitar o poder da reprodução para produzir pessoas com características que lhes permitam prosperar. Quase todos concordam que os pais devem proporcionar um ambiente que promova o bem-estar de seus filhos. Os defensores da eugenia acrescentam que também devemos manipular a biologia para promover o bem-estar, desde que possamos fazê-lo sem impor riscos indevidos a nossos filhos ou a outras pessoas com quem compartilharão o planeta." Então reitera: "Defender a eugenia não nos compromete a endossar a coerção patrocinada pelo Estado, nem às visões paroquiais sustentadas por alguns defensores da eugenia no início do século XX. Da mesma forma, defender a eugenia não nos compromete com o determinismo genético, segundo o qual os genes determinam todos os aspectos importantes de nossa personalidade. Nenhum cientista confiável acredita nisso (Sesardic 2005). Em vez disso, o consenso científico é que praticamente todos os traços que influenciam nossa personalidade e nossa probabilidade de viver uma vida boa - incluindo inteligência, saúde, empatia e controle de impulsos - têm um componente genético significativo (Bouchard 2004; Polderman et al. 2015; Plomin e outros 2016)." Vão nessa mesma linha outro estudo de Anomaly (2020), Peter Singer (2001, 2003), Jonathan Glover (2006), Nicholas Agar (1998, 2004, 2019), Julian Savulescu (2001, 2009), John Harris (1992, 2007), Walter Veit (2018a, b, c). Detalhe que os cientistas distinguem os componentes cognitivo e afetivo da empatia (o primeiro diz respeito à nossa capacidade de entender outras pessoas, especialmente suas emoções, e o segundo diz respeito à nossa capacidade de reagir adequadamente aos estados emocionais de outra pessoa). Ambos são fortemente influenciados por genes, e a ausência de um ou de ambos está associada ao narcisismo, psicopatia ou autismo (Baron-Cohen 2012). Por outro lado, muita empatia pode levar ao neuroticismo e ao altruísmo patológico. Portanto, existe uma faixa ideal de empatia fora da qual as crianças têm maior probabilidade de desenvolver distúrbios.

Jonathan Anomaly é rebatido por um artigo de Roberto A. Wilson, em que ele parece criticar mais o uso do termo do que a substância do que Anomaly defende. Ele menciona ainda que "Meu pensamento sobre a eugenia na última década baseou-se tanto em minhas experiências de trabalho conjunto com um número relativamente pequeno de sobreviventes da eugenia na província canadense de Alberta, onde a legislação eugênica de esterilização sexual vigorou até 1972, bem como em uma ampla gama de trabalhos de historiadores, biólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e jornalistas. … Aspectos da eugenia que permanecem atraentes para muitos e são talvez até filosoficamente defensáveis. É por isso que algumas figuras importantes da ética e da bioética – Peter Singer, Jonathan Glover, Nick Agar e Julian Savulescu, por exemplo – forneceram defesas de versões ou aspectos da eugenia, ou ideias centrais para a eugenia. … Por exemplo, existe a ideia geral, que rege o artigo [de Anomaly] como um todo, de que a dimensão melhorativa da eugenia merece atenção renovada. Existe a ideia, central …, de que uma tendência reprodutiva ou demográfica disgênica representa um problema geral para a sociedade futura. E existe a ideia, central …, de que existem princípios morais gerais que tornam defensáveis algumas escolhas e políticas eugénicas. Tais ideias são familiares na literatura (ver Goering 2014 para uma revisão introdutória). … Proeminentes entre os maus traços, como evidenciado pelas leis de esterilização aprovadas entre 1900 e 1950 em 35 jurisdições na América do Norte, estavam a “fraqueza mental”, a epilepsia e a criminalidade (especialmente a criminalidade sexualizada). Mas a lista de características eugênicas encontradas na pesquisa e na publicidade eugênica era muito mais extensa e incluía o pauperismo e o alcoolismo; essas características também foram explicitamente racializadas na política de restrição à imigração (Ambler 2014; Wilson 2018a, cap. 2–3)".

O debate das Academias orbitando mais em torno da linguagem, do que sobre a própria coisa, é apontado pelo artigo de Walter Veit (Can ‘eugenics’ be defended?, 2021): "Essa questão do debate das Academias em torno do uso de um simples termo, quando um consenso eugênico parece se desenhar, é apontado pelo artigo de Walter Veit (Can ‘eugenics’ be defended?, 2021): "Chamar uma pessoa de “eugenista” ou considerar uma prática “eugenista” é muitas vezes aceita como um substituto para refutá-la. No entanto, todas as sociedades humanas envolvem-se numa variedade de práticas que são amplamente aceites e claramente eugénicas. No Ocidente, a maioria das mulheres grávidas testa doenças como a síndrome de Down, a doença de Huntington e a fibrose cística. Muitas pessoas optam por interromper a gravidez que provavelmente resultará em um distúrbio genético ou deficiência. O incesto é proibido na maioria das culturas e o casamento entre primos é ilegal em muitas nações por razões transparentemente eugénicas: as crianças resultantes têm maior probabilidade de sofrer de uma doença ou deficiência. Talvez a política eugénica mais directa seja a prestação de aconselhamento genético entre grupos étnicos em risco para prevenir o nascimento de, por exemplo, crianças com Tay-Sachs, doença falciforme e talassemia. … A conclusão importante é esta: todos os que consideram os testes pré-natais justificáveis, ou que pensam que as mulheres deveriam ser livres de pesar a informação genética na selecção de um cônjuge ou de um dador de esperma, são eugenistas. A diferença entre aqueles que abraçam e aqueles que criticam o termo é meramente expressa no local onde traçamos uma fronteira entre os tipos de práticas eugénicas que permitimos. … A eugenia sempre teve defensores que rejeitaram o papel do Estado na orientação das escolhas procriativas, defensores que pensavam que o Estado deveria desempenhar um papel limitado na influência da escolha dos pais, fornecendo informações aos futuros pais ou subsídios para intervenções genéticas, e defensores que pensavam que o Estado deveria desempenhar um papel significativo, incluindo o uso de compulsão extensiva. … Muitos autores pensam que quaisquer que sejam as palavras que usemos, a eugenia de alguma forma é inevitável, dados os avanços recentes na edição de genes e na seleção de embriões, e que mudar a palavra não muda o debate subjacente (Agar, 2019; Buchanan et al, 2000; MacKellar e Bechtel, 2016; Selgelid, 2014). Por exemplo, Philip Kitcher argumentou que 'Uma vez que tenhamos deixado o jardim da inocência genética, alguma forma de eugenia será inevitável' (p. 174). Isto porque, pensa Kitcher, a escolha de usar ou não rastreio genético, contracepção ou aborto influencia previsivelmente os tipos de pessoas que nascem e que tipos de características terão. Tal como Kitcher entende o termo (seguindo Galton), a eugenia é 'uma mistura do estudo da hereditariedade e de algumas doutrinas sobre o valor das vidas humanas' (1997, p. 191). Ele sugere que mesmo que um progenitor ou uma política não tente alterar o conjunto genético humano, na medida em que as políticas e as escolhas parentais afectam previsivelmente as dotações genéticas das pessoas futuras e, portanto, a composição das populações futuras, constituem uma forma de eugenia. Da mesma forma, o historiador da eugenia, Daniel Kevles, argumenta que se as políticas que subsidiam o aconselhamento genético e a contracepção afectam o pool genético, são políticas eugénicas (ou disgénicas), mesmo que esta não seja a sua intenção (1985, p. 258). Embora os estudiosos tendam a definir os seus termos cuidadosamente, é cada vez mais comum no discurso popular usar 'eugenia' para designar apenas intervenções que envolvem coerção injusta. Como argumentamos, achamos que isso é equivocado. … Mas se o termo 'eugenia' é tão incendiário, porquê usá-lo? Por que não usar o eufemismo 'genetic enhancement' ['aprimoramento genético']? O objetivo é causar polêmica e chamar a atenção? Não necessariamente. É importante que o debate sobre a eugenia continue livre de exigências como as que Wilson (2019) imporia. O silenciamento das defesas fundamentadas da eugenia ameaça uma perigosa negligência do risco de repetição de erros do passado, desassociando-os do seu mau uso histórico (Agar, 2019; Anomaly, 2021). No entanto, precisamente por causa das atrocidades históricas cometidas em nome da eugenia, alguns filósofos defendem o uso de 'genetic enhancement' ['aprimoramento genético'] em seu lugar (Wilkinson, 2008; Camporesi, 2014; Cavaliere, 2018). Termos como 'gene therapy' ['terapia genética'] e 'genetic enhancement' ['aprimoramento genético'] carecem das associações desconfortáveis de 'eugenia'. Na nossa opinião, isto não torna as intervenções genéticas mais ou menos perigosas. Apenas muda as palavras que usamos para descrevê-los. O ponto importante não são as palavras que usamos, mas sim as distinções morais que fazemos entre os diferentes tipos de intervenções."

Enquanto uma ativista naturalista entrevistada por Wilkinson é mencionada no seu Artigo (“Eugenics talk” and the language of bioethics", 2008) dizendo: "Usamos [eugenia] sempre que podemos e não nos distrairemos ou desviaremos para usar qualquer outra palavra, até porque não é uma palavra popular. Não é uma palavra que as pessoas gostem de ouvir; tem muitas conotações desagradáveis. Portanto, não vamos tentar encontrar uma palavra mais palatável." Um geneticista entrevistado, defensor da eugenia, porém contra o uso do termo, diz o oposto: "Quase acho que deveríamos proibir o termo. Se você apenas disser 'eugênico', ninguém sabe o que você quer dizer. Deveríamos dizer o que há na declaração ou nas políticas a que nos opomos e examinar isso. É como dizer 'você é fascista!' É uma afirmação não examinada usada para efeito retórico, então me parece preguiçosa. Não é uma crítica coerente ou bem especificada. E é muito ofensivo para os médicos. … Penso que em qualquer ocasião em que a questão fosse levantada, provavelmente haveria um desejo de evitar a utilização [do termo eugenia] devido às suas conotações pejorativas. Sugere nazistas antes mesmo de começarmos a considerar as questões."

Para além do debate em torno do termo, Jonathan Anomaly observa, citando Zigerrel, que as pesquisas informam que a opinião dos americanos sobre políticas eugênicas é de apoio, quando acreditam que determinada condição recebe forte influência dos genes. Ele afirma, citando Pinker e Plomin, que o apoio político não é tão forte, talvez "porque os especialistas em genética do comportamento são rotineiramente denunciados quando as suas descobertas contradizem as ortodoxias igualitárias e ambientalistas." E que "estes tabus são explicados de forma plausível pelo legado da Segunda Guerra Mundial." Portanto, "o que as pessoas dizem publicamente e acreditam em particular são muitas vezes muito diferentes … [e] os bioeticistas muitas vezes refletem o consenso popular tanto quanto o moldam. Muito embora a maioria dos bioeticistas rejeitem as esterilizações eugênicas, muitos apoiam o uso do poder governamental para redistribuir recursos de uma forma que capacite as mulheres usem técnicas como fertilização in vitro e seleção de embriões (Daar 2017). Estas técnicas permitem aos pais rastrear embriões para doenças como Tay Sachs e em breve permitir-lhes-ão seleccionar características mais complexas (Greely 2018; Anomaly 2020). Muitos também apoiam leis que proíbem o incesto, e algumas até apoiam a utilização de leis de “vida errada” para evitar que os pais imponham conscientemente encargos genéticos aos seus filhos (Archard 2004). Muitos bioeticistas, incluindo membros da US Presidential Bioethics Commis, argumentaram que os direitos reprodutivos são limitados pelos interesses das pessoas futuras, especialmente quando as crianças impõem danos previsíveis a outros (Buchanan et al. 2000; Brock 2005; Benatar 2010). Alguns sugerem, além disso, que os pais têm a obrigação moral de produzir filhos com as melhores chances de uma vida melhor (Savulescu e Kahane 2009), ou de produzir filhos com maior probabilidade de melhorar o bem-estar de outras pessoas (Douglas e Devolder 2013). E que suprir essas obrigações morais é de alta dificuldade sem aconselhamento especializado e acesso generalizado a tecnologias de melhoria (Gyngell e Selgelid 2016), bem como normas sociais que incentivam escolhas eugênicas (Anomaly e Jones 2020a)”.

Vou classificar a oposição em bloco a qualquer forma de eugenia em quatro grupos: os prudentes, os naturalistas, os liberais e os puristas. Os naturalistas são amantes de uma ideologia avessa à eugenia em todos os aspectos. Organizam-se em grupos que alegam defender as minorias no séc. XXI e tentam naturalizar as características universalmente tidas como indesejáveis, como a síndrome de down, o autismo, a surdez, etc. Eles negam que essas características são defeitos que devemos buscar superar, naturalizam essas características e classificam como racistas as tentativas de evitá-las. Mesmo as tentativas espontâneas de indivíduos privados. É assim que um homem que doou criminosamente um esperma geneticamente defeituoso para banco de fertilização, fazendo com que 12 crianças nascessem com autismo, foi defendido por associações "Pelo Direito dos Autistas", que taxaram as mães de "racistas" e "eugenistas". E, não apenas isso, como também há comunidades inteiras de portadores de síndrome de down e de surdos que alegam que não há problema na surdez. Eles conseguem viver muito bem assim, não buscam e rejeitam "tratamentos" e alegam que isso não deve ser visto como uma "doença", mas sim um mero empecilho social ao qual a sociedade deve se adaptar. Essa perspectiva pode ser visualizada claramente em um artigo de Sarah Katz (2020). Yeh e colegas encontraram (2020, doi: 10.1126/scitranslmed.aay9101) um caminho potencial para a cura de algumas formas de surdez usando a ferramenta de edição genética CRISPR. Comentando essa pesquisa, Katz acusa os pesquisadores daquilo que ela define como "audismo", que seria a "crença de que as pessoas com capacidade de ouvir ou de imitar aquelas que podem ouvir são superiores".

Os prudentes são aqueles que, embora reconheçam que seria muito bom eliminar as características negativas referidas, fazem um balanço de prós e contras e temem que uma política pública nesse sentido degringole para a edição de outras características e ressuscite inclusive o racismo. Além disso, existe uma linha facilmente cruzável nas características negativas, que são aquelas que fazem o indivíduo ter uma pior qualidade de vida, porém que estão mais associadas com questão de recepção social àquela característica e cultura. Por exemplo, a altura, um corpo fora do padrão social, etc. Isso pode levar ao emprego do uso inclusive em questões estéticas ou mesmo racialistas. Entendo todas as questões desse segundo grupo e concordo que elas devem ser levadas em consideração. Porém, entendo que tal facto não apaga a conveniência da eugenia benigna. Por isso, sigo a defendendo. Chamarei de liberais aqueles que defendem um laissez-faire reprodutivo. As pessoas podem reproduzir livremente, quantas vezes quiserem. Ou não. E se quiserem aplicar eugenia ou não, também podem fazê-lo. Mesmo assim, os pus em oposição aos eugenistas porque eles discordam de um projeto eugenista que vai pregar a necessária reprodução de uns ou a não-reprodução de outros. E ainda que a própria sociedade fosse extinta pela aplicação desse princípio, os liberais entenderiam que esse é um efeito adverso incapaz de nos fazer adotar políticas de natalidade. Esses são os mesmos que também defendem um direito absoluto dos pais sobre os próprios filhos, de tal forma que a sociedade de nenhum modo pode intervir no "direito de educação". Como essa proposta voluntarista é diametralmente oposta à proposta progressista de conduzir a humanidade para um lugar não-aleatório, o que chamei de Progresso, nem me sinto obrigado a explicar o porquê de minha oposição aos liberais. Quanto aos Puristas, ao final deste artigo ficará claro quem são eles e o que defendem. Alguns distinguem a Eugenia Positiva da Eugenia Negativa. A Eugenia Positiva (Positive Eugenics) seria aquela que promove e/ou incentiva o surgimento de pessoas com características superiores ao estado de saúde normal do ser humano, enquanto a Eugenia Negativa (Negative Eugenics) seria aquela que tenta filtrar ou evitar o surgimento de pessoas doentes ou com características subnormais. Quanto ao método de aplicação, distingue-se a Eugenia Coercitiva da Eugenia Pacífica. A Eugenia Coercitiva é aquela que usa da força direta para alcançar seus fins. Já a Eugenia Pacífica usa educação, informação e normas sociais para alcançar seus fins. Nicholas Agar chama esse último tipo de Eugenia de "Eugenia Liberal" (Liberal Eugenics: In Defense of Human Enhancement, 2004). Existem dois modos de eugenia, a habitual e a de interferência. A Eugenia Habitual seria aquela convencional, por meio do qual a reprodução de indivíduos com certa característica é estimulada, enquanto a reprodução de indivíduos com outras características é desestimulada. Já a Eugenia de Interferência é aquela que faz uso de Engenharia Genética e outros procedimentos sofisticados modernos mais complexos para selecionar artificialmente características humanas. É importante dizer que não sou especialista no assunto e que defendo apenas o princípio de que a eugenia benigna realizada em certa circunstância e em certa forma é um importante recurso do progressismo. Portanto, não sou eu quem vou falar como a política eugenista ideal deveria funcionar, nem tampouco quais as características específicas disponíveis para essa política. Isso é algo que cabe aos especialistas debaterem tecnicamente entre si sobre as possibilidades disponíveis.

Porém sobre a eugenia de interferência, a Engenharia Genética, o sequenciamento genético, tecnologia de clonagem, a Tecnologia CRISPR-Cas, a fertilização in vitro e Medicina Reprodutiva compilaram uma série de conhecimentos ao acervo científico, acrescendo cada vez mais o conhecimento genético sobre a relação entre genes específicos e determinadas características (como certas doenças, ex:. hemofilia, talassemia, anemia falciforme, certos cânceres) e o aumento da possibilidade de editar biologicamente os indivíduos.

Uma vez que ferramentas como a Tecnologia CRISPR-Cas possibilitam descobrir que dos espermatozoides gerados pelo indivíduo, 80% deles carregam gene associado com sua tendência familiar de ser portador de certa doença ou de engordar, a tendência de procurar selecionar os 20% dentre os espermatozoides é grande. A maior parte dos países proíbe fazer testes com gametas para fins de manipulação genética, permitindo-se somente a manipulação de células somáticas. A tecnologia disponível já possibilita a edição até em indivíduos já adultos.

Então esses são os autores do dilema: pessoas com o acervo genético mais sofisticado optando pela não-reprodução, os negacionistas e naturalizadores de doenças e outras características retardadoras do potencial humano, liberais defendendo a absoluta autonomia reprodutora (ou não) dos indivíduos, a capacidade de editar o ser humano biologicamente, racialistas e etnocêntricos propondo uma eugenia de fanfic e o grupo no qual eu me incluo, eugenistas que defendem a edição biológica objetiva para fins de aperfeiçoamento.

Agora repare: já existe um coletivo que se chama de pronatalists e que acreditam que os super-humanos seriam uma janela de esperança para a preservação da espécie. A ideia perpassa por selecionar os genes das crianças e reproduzir essas crianças massivamente. A obsessão em produzir herdeiros dificilmente é um fenômeno novo. As elites usaram a linhagem para consolidar dinheiro e poder durante a maior parte da história humana. E agora ela renasce com componentes inovadores e consequências imprevisíveis.

O Insider fez uma matéria acompanhando Malcolm Collins e Simone Collins, “pronatalists que buscam contribuir com seus filhos modificados para o "caminho para a imortalidade". Eles acreditam que a humanidade está involuindo e definhando e que "alguém precisa resolver o problema agora". O plano pessoal do casal é ter, pelo menos, 20 filhos. Os embriões selecionados foram congelados em 2018, o que chamaram de "The Year of the Harvest" e são implantados em Simone a cada dois anos. Ricos, segundo os cálculos desse casal, se cada um de seus filhos tiver pelo menos oito filhos por apenas onze gerações, a Linhagem Collins acabará superando em número a população humana atual: "Se forem bem-sucedidos", continuou Malcolm, "poderemos definir o futuro de nossa espécie." Os Collins dizem que a causa que defendem os convenceu quando perceberam que só tinham uma amiga próxima com um bebê. O que não surpreende, pois a idade média para as mulheres terem seu primeiro filho passou dos 27 em 1990 para os 30 anos pela primeira vez, em 2019, de acordo com o US Census Bureau. Em 2021, uma pesquisa com jovens em 10 países constatou que, entre os jovens de 16 a 25 anos, quatro em cada 10 temiam ter filhos por causa da ansiedade das mudanças climáticas. (Um estudo de 2017 descobriu que cada criança adicional em países desenvolvidos representava 58,6 toneladas métricas de carbono por ano, embora esse número não represente nenhuma mudança política futura). A Pew Research conduziu uma pesquisa de 2021 que descobriu que uma parcela crescente de adultos estavam se comprometendo a permanecer sem filhos, citando razões que incluem "o estado do mundo". O movimento que eles integram teme a sobreposição dessas pessoas, convencionalmente as liberais, pelas pessoas oriundas de culturas com uma perspectiva mais "rude". Evidentemente o movimento é "pró-escolha" e considera a legislação antiaborto e outras associadas como impeditivos aos quais urgentemente se deve derrubar, pois são resquícios de anti-cultura ainda presentes sociedades civilizadas que estão se boicotando a si próprias com tais políticas. "Gilead é o que acontece quando nos permitimos cair no colapso demográfico" diz Simone referindo-se ao regime totalitário de "The Handmaid's Tale". Simone ainda comenta, afastando acusações de racismo: "Eu não estou eliminando pessoas. Quero dizer, estou eliminando de meu próprio pool genético, mas estes são apenas Malcolm e eu."
Devido a todas as restrições legais, os pronatalists não contam tudo o que fazem com seus embriões. Porém, mesmo fora desse movimento, o teste pré-implantação para anormalidades cromossômicas como a síndrome de Down e distúrbios de um único gene, como a fibrose cística, tornou-se uma etapa relativamente comum no processo de fertilização in vitro. E embora a engenharia genética completa por meio de CRISPR ou tecnologia semelhante seja proibida na maioria dos países, o campo da triagem genética pré-implantação ainda não é regulamentado pela Food and Drug Administration dos EUA e, portanto, eles podem legalmente selecionar os gametas via Teste "LifeView" da Genomic Prediction.
Na sua organização, Simone e Malcolm coletam o material genético dos doadores no banco de dados e levam a exportação de dados dos pais interessados para realizar testes em amostras de DNA de adultos, depois filtrados e gerenciados por uma equipe multidisciplinar para analisar o que os Collins chamam de "coisas divertidas". Sentada no sofá, Simone abre uma planilha cheia de números vermelhos e verdes e mostra o resultado. Cada linha representa embriões do sexto lote, e as colunas uma variedade de fatores de risco relativos, de obesidade a doenças cardíacas e dores de cabeça. (A parte "relativa" significa que essas pontuações só podem comparar o risco de cada embrião com o de outros indivíduos com constituições genéticas diferentes, em oposição às pontuações de risco "absolutas".) A principal prioridade para eles é o que chamam de "traços adjacentes ao desempenho mental", incluindo eliminação dos riscos de que o futuro filho tenha estresse, humor cronicamente deprimido, nevoeiro cerebral, autismo, alterações de humor, fadiga, ansiedade e TDAH. Intermitente, seleciona-se com os gametas que contenham em presença aceitável os genes que estão associados ao maior desempenho mental" Eles ainda oferecem uma série de recursos, cursos e estratégias comunitárias, incluso do altruism movement, de criação de filhos sem que os pais precisem parar de trabalhar.
Além disso, os pronatalists desenvolveram um sistema para rastrear o progresso da prole chamado The Index. "Nós registramos como seus filhos se saem emocionalmente, como seus filhos se saem em termos de carreira e se seus filhos permanecem dentro da cultura com a qual foram criados", explicou Malcolm. Ele disse que esperava ver seus próprios filhos discordarem de seu paradigma parental e esperava que eles fossem competitivos o suficiente para criar o seu próprio. Então, 11 gerações depois, quando a extensa família Collins compor uma poderosa cultura dominante, eles terão centenas de anos de dados para olhar para trás e aprender.
E eles não estão sozinhos. O movimento de pronatalists é silencioso no debate público - como se propõe a ser -, porém é crescente em círculos da alta sociedade dos EUA, Europa e China. O próprio Elon Musk defendeu o movimento abertamente. Falando inclusive sobre uma nova e revolucionária multinacional de natalização que levaria o conceito de família e à absorção de metavalores a um patamar futurista. Com mais dinheiro do que se pode gastar em centenas de vida, toda fortuna trilionária acumulada seria distribuída entre os nascidos nessas multinacionais, que receberiam a herança mediante o compromisso de continuar selecionando genes e reproduzindo massivamente. Ross Douthat, tal qual Joe Rogan e Marc Andreessen, defendeu no New York Times o que denominou "The Joe Rogan Experience". A ideia lamentável, mas previsivelmente também foi comprada por supremacistas brancos americanos, chegando a ser defendida no Manifesto de 2019 do atirador de Christchurch, Nova Zelândia. Para eles, a herdabilidade genética das características, ou seja, transmitir o que consideram ser o DNA (racial) superior pode ser o caminho definitivo para influenciar. Musk, pai de 10 filhos conhecidos com três mulheres, é o pronatalista de maior perfil do mundo da tecnologia. Ele fala ainda abertamente de sua obsessão por Genghis Khan, o governante mongol do século XIII, cujo DNA ainda pode ser rastreado até uma parte significativa da população humana. Uma pessoa que trabalhou diretamente com Musk e que falou sob condição de anonimato para este artigo do Insider lembrou-se de Musk expressando seu interesse já em 2005 em "povoar o mundo com sua prole". Agora, o povoamento será via colonização genética.
Sobre os supremacistas, o novo upgrade do racialismo pode ganhar contornos mais dramáticos, haja vista que agora está assentado sobre panoramas biológicos reais e concretos. Qual seja, a existência de pessoas que são "super-humanos", mais resistentes a doenças, mais fortes, mais velozes e com uma maior capacidade de processar informações e armazená-las. Se houver uma intersecção desses "super-humanos" com uma raça específica, como querem os supremacistas, as consequências sociológicas das relações sociais dos super-humanos supremacistas com as "pessoas comuns" seriam dramáticas e inaugurariam novos problemas sociais graves. Já quanto aos super-ricos do Silício, embora eles não falem abertamente, fica subtendido claramente o desejo eugenista de expandir, pela reprodução, o gene modificado, enquanto a herança genética meramente convencional deve caminhar para a remoção do acervo biológico dos seres humanos.
O filósofo Émile P. Torres comenta para Julia Black: "Crianças de famílias ricas sempre desfrutaram de vantagens, desde saúde e nutrição de alta qualidade até educação cara e atividades extracurriculares. Agora, devemos temer que as tecnologias de testes genéticos de controle darão aos ultra-ricos mais uma vantagem antes mesmo de saírem do útero. Veremos nascer uma nova desigualdade, quando um grupo for capaz de gerar descendentes muito, muito saudáveis - tão bons quanto a tecnologia moderna pode torná-los. Isso enquanto outras pessoas não podem se valer disso." Se cientistas de empresas como a Conception conseguirem criar embriões viáveis a partir de células-tronco, eles poderiam, em teoria, produzir um grande número deles. Combinado com a triagem genética aprimorada, os pais podem escolher o bebê "ideal" de um grupo muito maior. "Há uma sedução nessas ideias, porque são muito grandiosas", disse Torres. "Trata-se de assumir o controle da evolução humana."
Esse círculo de grandes ricos, como Peter Thiel e Steve Jurvetson, despeja, ocultamente ou mesmo abertamente, dinheiro no mercado global de serviços de fertilidade, pesquisa de ponta de melhoramento genético e tecnologia de reprodução assistida. O investimento no setor até 2025 está projetado para alcançar 78.2bi de euros.
Sam Altman, homossexual assumido, co-fundador da OpenAI de Elon Musk foi um dos primeiros investidores da Genomic Predction e defensor do pronatalism. A Genomic permite justamente o mapeamento genético e a testagem por meio de PGT-P para selecionar os melhores embriões disponíveis. Ele também é grande investidor da Conception, startup que realiza esse tipo de pesquisa, além de em úteros artificiais e cultiva óvulos promissores. A expectativa da empresa é editar óvulos a partir de células-tronco, para possibilitar a reprodução de machos biológicos entre si. O Movimento pronatalists está inclusive cogitando fundar uma "cidade inicial" que chamam de Projeto Eureka.
A família dos Collins tornou-se a face pública dessa tecnologia. Disse Malcolm: "Somos a Ferrovia Subterrânea dos bebês 'Gattaca' e pessoas que querem fazer coisas genéticas com seus filhos."
"O século XX foi sobre átomos e bits. O século XXI é sobre biologia e bebês.", disse Musk ao comentar seus planos de comprar uma grande rede de clínicas de fertilidade. Delian Asparouhov, diretor do Founders Fund, que tem defendido abertamente o concorrente da Genomic Prediction, Orchid, disse ao The Times de Londres que seu interesse na tecnologia veio do desejo de "vencer a China": "Cada vez mais, investidores veem a engenharia biológica e de fertilidade aprimorada como uma parte fundamental da manutenção de uma vantagem competitiva no mercado global."
Simone era Diretora-Administrativa da Dialog, o retiro fundado por Peter Thiel. O retiro atrai esse círculo de natalistas dispostos inclusive a viajar para países com legislação mais tolerante, afim de realizar os procedimentos genéticos e a fertilização in vitro. O retiro lembra a ideia de Jeffrey Epstein, que planejava engravidar 20 mulheres por vez. "Se esse pequeno círculo colocar os planos certos em prática, seus sucessores tornar-se-ão as novas classes dominantes do mundo, capazes de fazer frente aos religiosos secularizados que optam por não ter filhos."
Os corpos humanos transformados em brinquedos ideológicos já levava os titãs do Vale do Silício, como Jeff Bezos, Sergey Brin e Larry Elisson a despejar bilhões de dólares em empresas de biotecnologia que se propunham a "desafiar a morte e as fronteiras das limitações biológicas atuais." Jeffrey Epstein procurou cientistas sobre congelar a cabeça e o pênis para ser revitalizado centenas de anos depois, enquanto Peter Thiel, 55, teria procurado transfusões de sangue dos jovens.
Stephen Hsu - co-fundador da Genomic Prediction: "Em tudo que esses caras [pais de alto patrimônio líquido] fazem, sejam seus investimentos ou até mesmo suas vidas sociais, eles estão aplicando uma forma de pensar muito analítica e quantitativa. E isso vale para a reprodução também."
"Os Collins, que se identificam como calvinistas seculares, são particularmente atraídos pelo princípio da predestinação, que sugere que certas pessoas são escolhidas para serem superiores na terra e que o livre-arbítrio é uma ilusão. Eles acreditam que o pronatalismo é uma extensão natural dos movimentos filosóficos que varrem centros tecnológicos como Silicon Hills de Austin, Texas. Nossas conversas frequentemente retornam ao transumanismo (esforços para fundir capacidades humanas e mecânicas para criar seres superiores). O que todos esses movimentos têm em comum é a fixação no futuro. E à medida que esse futuro começa a parecer cada vez mais apocalíptico para algumas das pessoas mais ricas do mundo, a ideia do pronatalismo começa a parecer mais heroica. É uma proposição adequada exclusivamente ao tipo de arrogância do Vale do Silício: se a humanidade está à beira do abismo e só eles podem nos salvar, então eles devem à sociedade replicar-se o máximo de vezes possível. De acordo com especialistas da indústria de tecnologia, esse tipo de retórica está se espalhando em reuniões íntimas entre algumas das figuras mais poderosas da América. É 'grande aqui em Austin', disse-me Linda Avey, cofundadora da 23andMe. Raffi Grinberg, pró-natalista e diretor executivo da Dialog, disse que o declínio da população é um tema comum entre os CEOs, autoridades eleitas e outras figuras poderosas que participaram dos retiros não oficiais do grupo. Em fevereiro, o cofundador do PayPal, Luke Nosek, um aliado próximo de Musk, organizou uma reunião em sua casa no lago Travis, em Austin, para discutir "O fim da civilização ocidental e ascensão da nova", outro bordão comum no discurso sobre a taxa de natalidade.", comenta a entrevistadora Julia Black.
Ela ainda comenta sobre a real preocupação da Elite, que não é a população mundial em si, haja vista que nunca tivemos tanta gente no Planeta, mas sim o declínio populacional dos países ricos, liberais e seculares. "Em agosto, o pai de Elon, Errol Musk, disse-me que estava preocupado com as baixas taxas de natalidade no que chamou de "nações produtivas". Os Collins chamam isso de "sociedade cosmopolita". O próprio Elon Musk twittou sobre o filme "Idiocracy, 2006", no qual a elite inteligente para de procriar, permitindo que os não inteligentes povoem a terra.
"Ao contrário do que muitos pensam, quanto mais rico alguém é, menos filhos eles têm. Eu sou uma rara exceção", escreveu ele em outro tweet em maio passado. "A maioria das pessoas que conheço têm zero ou um filho."
Leve-se em consideração que várias doenças, como a própria síndrome de down, são genéticas, mas não necessariamente são hereditárias. Isso porque elas estão mais relacionadas com a formação dos gametas do que com a carga hereditária herdada dos progenitores. A "purificação genética" nesses casos só pode ocorrer mediante abortos em culturas de pré-natal fortes. E foi isso que aconteceu em vários países, como a Islândia, que usou o Combination Test para reduzir o número de crianças com síndrome de down a patamares próximo do zero usando o recurso da pró-escolha.
Musk repete o argumento de Nick Bostrom, um dos pais fundadores do longtermism, que escreveu seus temores de que o declínio da fertilidade entre "indivíduos intelectualmente talentosos" pudesse levar ao fim da "sociedade civilizada avançada". "Uma fonte que trabalhou de perto com Musk por vários anos descreveu que Musk firma acordos e parcerias mediante o comprometimento com seus pares de elite que eles adotem o pronatalists.
Em 09/2022, registros de texto divulgados como parte da batalha legal de Musk com o Twitter mostraram conversas entre Musk e o proeminente especialista em longo prazo William MacAskill, que trabalha no Instituto Futuro da Humanidade de Oxford, do qual Musk é um importante doador. Nas mensagens, MacAskill se ofereceu para apresentar Musk a Sam Bankman-Fried, um empresário de criptomoedas que havia doado milhões de dólares para organizações longtermism. O livro bestseller de MacAskill, o "What We Owe the Future" registra seu medo de que as taxas decrescentes de natalidade levassem à "estagnação tecnológica", o que aumentaria a probabilidade de extinção ou colapso civilizacional. Uma solução que ele ofereceu foi clonar ou otimizar geneticamente um pequeno subconjunto da população para ter "habilidades de pesquisa no nível de Einstein" para "compensar por ter menos pessoas no geral". Malcolm Collins elogia Musk assim: "Qualquer pessoa inteligente com uma certa estética cultural de sua vida está olhando para este mundo e dizendo: 'Como podemos criar culturas duradouras intergeracionais que levarão nossa espécie a ser um império interplanetário diverso, próspero e inovador, algo não-vulnerável a ser erradicado com um único impacto de asteróide ou uma única doença enorme?'
Martín Varsavsky, um empresário de fertilidade, comentou para Julia Black: "Acho que estamos chegando a um ponto em que estamos reinventando a reprodução."
Insider - Can Super Babies Save the World?, 17/11/2022: [https://www.businessinsider.com/pronatalism-elon-musk-simone-malcolm-collins-underpopulation-breeding-tech-2022-11]

Os meus comentários aqui se restringem à elite norteamericana porque eles vivem em uma sociedade mais aberta e com mais facilidade para coletar informações, porém a China incorpora e implanta a Peneira Genética (que vai filtrando a população, visando construir um "super-homem" ou o "homo sovieticus") dentro da Estratégia Nacional de Desenvolvimento, coletando material genético de pessoas mais saudáveis, mais inteligentes ou com habilidades biológicas notáveis em bancos de dados ou premiando a reprodução delas, enquanto inibe a reprodução de doentes ou atrasados biologicamente.

Em O Novo Conflito de Classes na China - A Quarta Revolução Industral, Klaus Schwab diz: "A Quarta Revolução Industrial, que galopa na China, trás consigo não apenas o aprimoramento da técnica, mas também a fusão revolucionária dos domínios físico, digital e biológico: Engenharia, Biologia, universo digital e alta-tecnologia. Por todas as razões e exemplos já mencionados, estamos no limiar de uma mudança sistêmica radical, que exige progressivamente que os seres humanos se adaptem continuamente. Quando pensado no aspecto bio-individual, um dos desdobramentos dessa Revolução será o transumanismo, que fará com que a técnica não apenas repare os seres humanos, como medicamentos ou alguém que coloca uma perna mecânica porque foi atropelado, mas também alguém que amputa voluntariamente um órgão de seu corpo para implantar um órgão biomecânico, que é mais seguro ou mais eficaz. Como resultado, poderemos testemunhar uma ciborganização que possivelmente trará um crescente grau de polarização do mundo, marcado por aqueles que abraçam a mudança e aqueles que resistem a ela. Isso dará uma origem a uma desigualdade social preocupante, em que o racismo poderá ser fundamentado num critério concreto: a superioridade objetiva de uns seres humanos em relação a outros. Com uma Peneira de Genes, teremos um aprimoramento biológico de seres humanos, mais saudáveis, mais velozes, mais fortes, com maior capacidade de armazenar informações ou de processá-las no cérebro e emitir respostas, ou seja, mais inteligentes. Também mais longevos e até selecionados previamente pelos pais para nascerem com tal característica programada, associada à beleza. Essa desigualdade ontológica irá separar aqueles que se adaptam às mudanças, daqueles que resistem a ela, ficando condicionados às capacidades meramente naturais. Ou ainda que desejam aderir a essas mudanças, porém não tiveram acesso aos recursos para fazê-lo. E demandando que as engrenagens da Seleção Natural operem. Será uma cisão entre os reais vencedores e perdedores em todos os sentidos da palavra."

A preocupação que Schwab relata com o upgrade da desigualdade humana é abordado no Artigo (Access to the Genome. The Challenge to Equality, Cap. VI) de Mehlman e Botkin, em que eles dizem com clareza que o aprimoramento humano irá inevitavelmente acentuar a desigualdade existente num mercado livre. Bostrom & Roache ("Ethical Issues in Human Enhancement", 2007) endossam o mesmo dizendo: "…pessoas com capacidades cognitivas radicalmente melhoradas podem obter vastas vantagens em termos de rendimento, planeamento estratégico e capacidade de influenciar outras pessoas; por outras palavras, uma elite cognitiva melhorada pode ganhar quantidades de poder socialmente significativas." O mesmo endossa o Artigo (Distributive Justice, 2014) dos naturalistas Lamont e Favor, sugerindo que a proibição estatal é o único meio de impedir que isso ocorra. Waiter Veit chama isso de "Inequality-Objection" (Objeção da Desigualdade), argumentando que essa sugestão é tão interessante quanto a sugestão dos anarquistas de quebrar as máquinas nas turbulências da industrialização.

Em 2018 e 2019, o cientista chinês He Jiankui anunciou que havia editado o código genético de um embrião, tornando seu corpo mais resistente ao vírus HIV. E em 2022, cientistas conseguiram pela primeira vez conseguiram conceber um embrião de rato sintético, sem esperma ou óvulo.

Recapitulando: um rol de doenças, sentimentos, até pensamentos que se despontam, o egoísmo mais acentuado, a tendência ao comportamento agressivo, criminoso, até a sociopatia, a psicopatia, a aberrâncias como a pedofilia, assim como a maior empatia, a delicadeza, a meiguice, a solidariedade, a longanimidade, todos são dispositivos genéticos que existem no indivíduo. Esses dispositivos interagem de forma muito complexa com o ambiente (incluso a cultura) e são reforçados ou constrangidos por eles. Existe no mundo pessoas que defendem eugenia de fanfic, naturismo, disgenia e que decidem culturalmente simplesmente não mais reproduzir. Também existe um processo de eugenia genética em curso, tocado por certa classe de indivíduos e por certos países.

Com tudo isso, concluímos que a Reprodução é um dos elementos mais importantes quando pensamos em humanidade. São as pessoas presentes os agentes responsáveis por dar origem às próximas que continuam com a espécie. Portanto, tanto a reprodução, quanto a não-reprodução são esforços de interesse coletivo que exigem atividade, esforço, prudência, iniciativa, habilidade e consciência dos participantes. Sendo elementos da máxima importância para a humanidade, às sociedades e para o Bem-Comum, a Reprodução não pode padecer de um laissez faire, sendo vítima de indivíduos que deveriam reproduzir, mas não o fazem. Ou de indivíduos que não deveriam reproduzir, porém imitam coelhos. Assim como na Democracia, os votos ignorantes ou irracionais são por todos sentidos em consequências políticas indesejáveis, as consequências de pessoas que se reproduzem (ou não) aleatoriamente são sentidas pela espécie.

Mas, indo na direção contrária, é um fato que temos estudos que apontam que a humanidade está ficando em média mais burra com o tempo. Por isso, "na verdade, há cada vez mais evidências de que Darwin estava certo ao se preocupar com as tendências demográficas nos países desenvolvidos. As evidências são escassas porque muitas pessoas que realizam essa pesquisa têm dificuldade em obtê-la financiada ou publicada, devido a preocupações comuns de que ressuscite o racismo, o classismo e as formas intolerantes de eugenia. Mas evidências existem. Por exemplo, vários autores encontraram uma correlação negativa entre QI e fertilidade, entre educação e fertilidade e, independentemente, entre renda e fertilidade – especialmente em países desenvolvidos com robustos estados de bem-estar social e maiores oportunidades para mulheres ambiciosas e inteligentes. O problema é agravado pelo fato de que pessoas com mais educação e renda (correlacionadas com maior inteligência) tendem não apenas a ter menos filhos, mas também a atrasar a reprodução em busca de outros objetivos. Veja-se, por exemplo, Teasdale e Owen (2008), Meisenberg (2009, 2010) e Lynn e Harvey (2008)." (Anomaly, 2018) Lembrando que o termo "fertilidade" na Demografia refere-se ao número de filhos que as pessoas escolhem ter, não à sua capacidade de ter filhos.

Toda essa perda do acervo genético (ver The Anatomy of Violence: The Biological Roots of Crime) é camuflada com uma melhoria ambiental significativa: maior nutrição, educação e dispersão média. É o chamado o chamado Efeito Flynn. A isso dá-se o nome de Disgenia - o inverso da Eugenia. Indivíduos geneticamente mais inteligentes estão com frequência entre os mais bem-sucedidos. Pais bem-sucedidos ficam livres para perseguir outros objetivos, quando substituem filhos por alguns pets (Becker, 1981). Hermann Muller observa em seu artigo (1963, p. 254): “pessoas com maior visão e com maior consideração por sua família geralmente almejam ter um número de filhos abaixo da média, a fim de obter maiores benefícios para os filhos que têm, bem como para si mesmos e para aqueles próximos a eles”. Pessoas especialmente bem-sucedidas têm menos filhos e outras pessoas influenciadas os imitam (Richerson e Boyd, 2005, CH. 5). Essa tendência pode ter bons efeitos nas crianças adotadas a curto prazo, mas efeitos ruins no pool genético a longo prazo, ou seja, com menos filhos, transmitem menos sua herança biológica. Substituir gatos por crianças, ou dedicar sua carreira a cuidar dos filhos de outras pessoas enquanto renuncia à reprodução é um exemplo de altruísmo patológico (Oakley 2012). O Altruísmo Patológico é como Barbara Oakley chama as emoções pró-sociais que foram adaptativas em ambientes ancestrais, porém que produzem um comportamento contra-adaptativo ou leva à própria redução dessa adaptação no decurso do tempo, quando ocorre uma alteração do ambiente.

Defendo que a reprodução não é um direito absoluto, quando muito, é condicionado. As pessoas não devem pensar que têm o direito de se reproduzir, como e quando quiserem. Não pode ficar a critério do indivíduo isolado decidir se vai passar esses códigos biológicos para a próxima geração ou se será generoso e os encerrará com sua existência. Portanto, defendo a adoção de política de gestão da natalidade com eugenia benigna orientada para o Bem-Comum, rejeitando o etnocentrismo, o racialismo, a eugenia de fanfic, mas também rejeitando a naturalização de prejuízos biológicos ou um certo 'laissez faire' reprodutrivo, que leva países inteiros a penarem porque a população embebida pela lógica do prazer individual máximo simplesmente decidiu não ter filhos e adotar um pet ou ter, quando muito, apenas um filho, sendo que a subsistência cultural da sociedade exige que a reposição reprodutiva geral da população seja superior a dois. Não falamos aqui de um delírio utópico, mas de uma figura que podemos avaliar enquanto realidade empírica e contemporânea. Uma pessoa deficiente, caso desgraçada pela Biologia, deve evitar transmitir seus genes defeituosos, se eles forem transmissíveis. Devemos nos orientar a uma purificação dos nossos genes e transmitir somente o substrato mais apurado. Se existe uma certa glamourização cultural desses comportamentos, compreendemos que filhos não são propriedades privadas dos pais e que não deve haver direito a prejudicar futuros seres humanos desse jeito. De repente, o mazelado, doente, anão, etc, etc, decide ter 10 filhos (que geralmente sequer podem criar), prejudicando seriamente a vida e a integridade de um novo ser humano e, ainda, que serão assistidos pelo Estado do nascimento até a morte, gerando custos ao Estado e uma perspectiva de retorno muito modesta.

O Estado deve ter a prerrogativa de restringir a liberdade de alguém quando deixá-lo livre para agir como quiser representa sérios riscos de danos a outros. E a prerrogativa de intervir quando os indivíduos encontram-se em problemas de ação coletiva, nos quais a coletividade fica melhor se a maioria das pessoas agir de outro modo, porém os indivíduos isoladamente considerados têm incentivos para agir de forma diversa. Essa política pode se valer de alguns recursos, como educação progressista e sexual, conscientização, censura de contra-valores, garantia de acesso universal da contracepção, investimento em pesquisa e testes genéticos, exigência de que os indivíduos forneçam informações genéticas, prestação dessas informações a futuros pais, com o objetivo de ajudá-los a fazer escolhas reprodutivas informadas que beneficiem seus filhos e protejam outras pessoas de danos, remoção das barreiras ao acesso a aprimoramentos genéticos socialmente benéficos, tão logo a Engenharia Genética torna-se segura e acessível. 

E, mais, uma vez que as condições materiais de alterar biologicamente os seres humanos para torná-los mais resistentes ou imunes às doenças, mais inteligentes, com maiores habilidades variadas estejam objetivamente dadas, defendemos que isso deve ser feito. E defendemos que um sério programa de atualização genética seja implementado, estimulando a reprodução dos indivíduos atualizados e desestimulando a reprodução da versão anterior, 1.0. É sempre importante frisar explicitamente a condenação ao racialismo. Dentro do que foi defendido até aqui, não há um pensamento de ódio inerente à condição do aleijado, do anão ou do deficiente mental, mas sim a compreensão totalizante de que temos acessíveis seres humanos com maior potência (ou seja, os não-aleijados, não-anões) e que devemos consolidar o mundo a partir destes, não daqueles. Somos nós também menos avançados quando comparados aos humanos 2.0, 3.0, etc. Também entendo o temor do racialismo considerável o suficiente, a ponto de justificar (pelo menos nesse primeiro momento) a não autorização de eugenia estética ou fundada em meras características biológicas discriminadas socialmente (embora esse recurso já esteja bem disponível e seja defendido pelos artigos acima mencionados).

É o que lemos no o Artigo "Public goods and procreation" (2014) é dito: "Tal como outros direitos, o direito moral de procriar – quer esteja ou não codificado em lei – pode ser anulado por razões familiares. Por exemplo, quase todos reconhecem que um direito deve ser limitado quando o seu exercício causa danos significativos a outras pessoas (Brock 2005). Se as escolhas reprodutivas forem feitas principalmente por razões privadas – se os futuros pais ignorarem as externalidades de ter filhos – Dan Brock sugere que algumas escolhas reprodutivas podem ser consideradas como danos para as pessoas futuras e, portanto, circunscritos potenciais limites à liberdade procriativa. Allen Buchanan e os seus coautores concordam: 'parcelas significativas dos custos de ter filhos são externalizados em praticamente todas as sociedades – isto é, suportadas por outras pessoas além dos pais (ou filhos). Quanto mais isso acontecer, maior será a reivindicação que esses outros poderão fazer para ter alguma palavra a dizer ou controlar os custos que lhes são impostos' (2000, p. 210). Nem Brock, nem Buchanan pensam que estes argumentos sugerem a necessidade de restrições significativas à liberdade reprodutiva patrocinadas pelo Estado, mas ambos concordam que os interesses de outras pessoas podem, em princípio, anular ou limitar o âmbito dos direitos reprodutivos. … Alguns atos reprodutivos ou não são escolhas ou não são escolhas deliberadas. Consideremos o caso recente de um homem de 30 anos no Tennessee que tem 22 filhos com 14 mulheres diferentes e que esteve desempregado durante grande parte da sua vida reprodutiva (o mesmo se aplica às mães dos seus filhos). É difícil argumentar que cada uma destas crianças (ou qualquer uma delas) seja uma fonte central de significado na sua vida, ou na vida daqueles que ele engravidou. É ainda mais difícil argumentar que uma mulher que recentemente tentou vender os seus filhos no Facebook para pagar a fiança do namorado considera a procriação e a paternidade actividades profundamente significativas. Além disso, na medida em que os contribuintes – e potencialmente as vítimas do crime – suportam os custos destas crianças, outras pessoas têm um forte interesse em impedir que estes pais se reproduzam (ou continuem a reproduzir). … Ao pensar sobre o alcance do direito à reprodução, deveríamos reconhecer que deveria haver uma presunção a favor da liberdade procriativa, mas que quase todos nós preferiríamos – na medida do possível – criar um mundo em que as pessoas do futuro bem florescessem. Aparentemente, isto envolverá a preservação (ou o aumento) da prevalência de características que podem ser consideradas bens públicos. … se existir algum risco de que características amplamente valorizadas no património genético humano estejam a diminuir, ou que a prevalência de alguma doença geneticamente transmissível debilitante esteja a aumentar, devemos tentar promover escolhas informadas e confiar em normas sociais que orientem os pais individuais a fazerem escolhas reprodutivas que se harmonizem com os interesses das pessoas futuras. A intervenção política coerciva deve ser o último recurso. … Já vimos que as escolhas reprodutivas não produzirão necessariamente o resultado agregado que a maioria das pessoas preferiria e, até agora, pelo menos nos países desenvolvidos, a pressão social não produziu resultados que sejam colectivamente desejáveis: a maior parte das gravidezes não são planejadas, há uma correlação inversa entre QI e fertilidade (e, independentemente, entre riqueza e fertilidade), e com um estado de bem-estar robusto e um mercado de adopção é possível que aqueles com menos responsabilidade e controle de seus impulsos tenham mais filhos do que aqueles com mais controle de impulsos e responsabilidade. Uma solução proposta para reduzir os danos associados a escolhas reprodutivas imprudentes é exigir que os futuros pais sejam licenciados. Hugh LaFollette argumentou que o licenciamento é teoricamente desejável (além de sua viabilidade prática) para atividades que atendam a duas condições: a atividade representa dano potencial a terceiros e requer competência para seu desempenho seguro (1980, p. 183). … suponhamos que descobrimos um pequeno conjunto de genes que causam um distúrbio antissocial, como a psicopatia ou uma inclinação extrema para o sadismo. Mesmo que os pais devessem ter a presumível liberdade de reprodução, as futuras vítimas de sádicos e psicopatas têm um forte interesse em que as pessoas actuais evitem que estes genes encontrem o seu caminho para futuros corpos humanos. Mas como garantiríamos que os pais obtivessem uma licença e como puniríamos aqueles que violam a lei e se reproduzem após serem reprovados num exame de licenciamento? LaFollette sugere que um serviço estatal de proteção infantil deveria estar preparado para remover as crianças de pais não licenciados, ou daqueles que falham no teste de licenciamento, da mesma forma que poderíamos exigir que os médicos não licenciados parassem de praticar medicina e impedi-los de assistir a futuros pacientes. Afinal de contas, argumenta ele, antes de os pais serem autorizados a adoptar, a maioria dos estados exige uma rigorosa verificação de antecedentes para garantir que são pais capazes, e remover as crianças de pais que as abusam e negligenciam. Por que não impedir que essas pessoas se reproduzam para começar (se pudermos identificá-las antecipadamente com precisão razoável), ou impedi-los de ter mais filhos? Se os pais continuarem a fazer escolhas reprodutivas irresponsáveis que põem em perigo os seus próprios filhos, ou a criarem filhos que representam um perigo grave para outras pessoas, poderemos querer dar o passo seguinte de esterilização temporária, e talvez involuntária. … De acordo com Julian Savulescu et al. 'uma intervenção constitui uma melhoria quando se espera que aumente as chances de uma pessoa levar uma vida boa' (2011, p. 8). Grosso modo, as melhorias podem ser induzidas ambientalmente, bioquimicamente ou geneticamente. Todos os três tipos de melhoramentos podem produzir características que constituem bens públicos, mas apenas as alterações genéticas germinativas seriam integradas no conjunto genético humano. … Outros dispositivos legalistas para aumentar a proporção de crianças que possuem características que são amplamente consideradas desejáveis (ou diminuir a proporção de crianças que possuem características que podem prejudicar outras pessoas) incluem incentivos para pais bem colocados para terem filhos, desincentivos para pais irresponsáveis, contracepção subsidiada e oportunidades para os pais receberem informação e aconselhamento genético sobre a selecção de embriões. A contracepção subsidiada é uma forma relativamente barata de reduzir as gravidezes indesejadas, e isto pode ser defendido de forma plausível com base em bens públicos, na medida em que os custos das crianças indesejadas são suportados por todos. Os incentivos para pais instruídos reduziriam o custo associado de ter filhos."

É muito recorrente a sugestão política em países em crise de natalidade que paguem para que os bons pais tenham filhos. Mas isso não compreende o problema do custo de oportunidade: a maioria das pessoas com maior inteligência ou mais dinheiro não reproduz menos porque não pode sustentar filhos. Eles o fazem porque têm muitas outras maneiras valiosas de gastar seu tempo, hábitos comuns de lazer, viajar, progredir em suas carreiras, consumir mais, ficar mais disponível para curtir a vida, etc. Outra sugestão frequente é mitigar a força dos efeitos adversos da paternidade. Isso pode ser feito com recursos como aposentadoria antecipada ou licença parental remunerada no local de trabalho. Veja-se que a Suécia tem uma das leis de licença parental remunerada mais generosas do mundo. E embora esteja entre os poucos países desenvolvidos com uma taxa de natalidade substituta (Hoem, 2005), os suecos nativos têm fertilidade abaixo da reposição e os imigrantes nascidos no exterior da Somália têm mais filhos, aproximando a Suécia dos níveis de reposição (Tollebrant, 2017). Portanto, pendurar-se nesse tipo de incentivos não soluciona um problema de uma cultura tão deformada, porém nem por isso o recurso em si mesmo é inútil. Daí que o defendo também. Francis Crick sugeriu adotar um esquema de licenciamento parental cuja descrição prática ele detalhou (Eugenics and Genetics. In Man and His Future, 1963, pp. 276-284. CIBA Foundation Symposium). Além disso, sugeriu pagar algumas pessoas para não se reproduzirem. Defendo a primeira proposta, mas não a segunda. No Estado Socialista que eu defendo, não faria sentido pagar para as pessoas não fazerem algo que elas não têm o direito de fazer e, portanto, têm a obrigação de não fazer. Usar doadores de esperma e óvulos é uma medida que se torna cada vez mais popular. E rastrear gametas problemáticos é uma política aceitável e cada vez mais recorrente, mesmo na eugenia liberal. O artigo de Savulescu e Kahane, 2009, argumenta inclusive que é uma obrigação moral de produzir crianças com as melhores chances de uma vida melhor. E Buchanan e Powell, 2011, rebatem os oponentes da tecnologia biomédica já disponível como portadores de uma visão teleológica desacreditada da evolução humana.

É importante que se lembre que aquele que for privado de fecundar o seu próprio material genético não necessariamente será privado da paternidade. Ele poderia adotar ou mesmo fecundar um material genético de um doador. À medida que caminharmos para a construção de um sistema de gestação da reprodução humana, atualmente praticamente inexistente na maioria das sociedades, podemos privar do direito de reprodução não apenas aqueles que poluem o pool genético, mas também certos criminosos, irresponsáveis ou incapazes de criar e educar um ser humano. 

Vemos que essa neo-eugenia já é um fato. Avançando na deep-cultura interna da China e conquistando a classe dominante, é questão de tempo para que a tecnologia se torne acessível, as legislações mais permissivas e o recurso mais popularizado, descendo entre os ricos comuns e classe média. O próprio recurso é muito atraente. Ter a oportunidade de selecionar os filhos mais resistentes e que nascerão sem doenças parece uma coisa que soa como perfeita para um acompanhamento que antecede o pré-natal, que seria algo como "pré-concepção". Como foi dito, tudo isso promete gerar problemas sociais consideráveis que tendem a descer da questão meramente terapêutica para questões de edição de características culturalmente rejeitadas, para questões de estética e até neo-racialistas. Até que ponto as legislações vão segurar, isso ficará indefinido, pois estamos falando de uma elite global que se organiza, de uma corrida internacional para aperfeiçoar biologicamente sua população interna e de desejos profundos dos próprios seres humanoss de superar seus limites.

Sobre as reuniões desses indivíduos em núcleos de agrupamentos, as famílias, entendemos que a noção de hereditariedade e linhagem relacionada ao arranjo que a natureza nos deu (como explicamos o itinerário, as famílias são naturais) tem seus -prós e -contras. Constitui qualidade que tenhamos apego a outros indivíduos que não nós mesmos, também constitui qualidade que desenvolvamos afeto e interesse pelo bem grupal. Os -contras estão relacionados às limitações desses sentimentos, que são setoriais, quando o ideal é que ele seja estendido a toda a humanidade e comunidade de viventes. A grande questão a esse respeito, em síntese, é que a Biologia Evolutiva nos legou laços fortíssimos com a nossa parentela próxima. A família é um ativo da natureza que tivemos a sorte de receber. Portanto, a proposta do uso do recurso da Eugenia dentro do Projeto Socialista não fala de "destrui-la", como acusam os críticos, mas sim de estendê-la. Se conseguirmos editar o ser humano para fazer com que os indivíduos tenham uns pelos outros o amor que a mãe mais devota biologicamente é configurada para sentir pelo seu filho, defendo que façamos isso. Em que pese apegos especiais que teríamos uns pelos outros, eles seriam sempre elementos de uma organicidade que é compreendida como mero item de um todo para o qual nossa caritas primária é ordenada. Trata-se de um sistema de integração com a humanidade, que a cultura deveria tratar de reforçar, que difere da base morfo-psicológica atual, em que os indivíduos matariam um país inteiro para salvar 'suas famílias'.

É perfeitamente possível que a própria Engenharia Genética do futuro nos auxilie a criar esse e outros instintos biológicos mais aprimorados. Claro que não é simples pensar a ordem social, nem a configuração das relações, no ano 4.000 ou no ano 6.000. Qual planeta do Sistema Solar estaremos povoando? Ou quem sabe até mesmo fora desse Sistema? Essa é uma dificuldade na comunicação de socialistas com não-socialistas, pois o Socialismo existe para pensar a humanidade a longo prazo, estabelecendo metas ousadas e ajustando a sociedade para que comecemos a caminhar em direção a elas.

Porém é fácil de cogitar que, em algum momento no futuro, existirão Sistemas Gestacionais Extracorpóreos até mesmo mais seguros, para a gestante e para o feto, do que os meios legados pela Biologia. Com essas possibilidades, os infantes podem ser educados por sistemas coletivos de paternidade que envolvem toda a sociedade (como ocorre com as tribos indígenas). O número de habitantes de cada espaço físico será calculado objetivamente tendo em vista a quantidade de indivíduos (quanto mais vida melhor!) X o padrão de consumo ideal X o padrão de consumo real dos recursos disponíveis (indivíduos são consumidores de recursos e uma superpopulação pode gerar uma situação de grave desbalanço ecológico, que é o que vivemos atualmente) X os encontros genéticos mais perfeitos do ponto de vista da variabilidade e, claro, a progressiva otimização da constituição do corpo humano. Sendo esse o ideal, devemos rumar na direção dele.

É isso… :) Você odiou? Ficou pistola? Isso talvez tenha ocorrido porque você não tenha refletido bem sobre a ideia ou tenha um forte valor conservador apegado à natureza como ela está posta e ao nosso status quo biológico que conflita com os valores que nós defendemos. Repare bem: Há um game, Civilization Beyond Earth - Rising Tides, 2015, que se passa no futuro e o player evolui a espécie humana. Daí surgem três ideologias para seguir:
• Pureza (a que escolhi):, que busca aprimorar a humanidade com ideologia, cultura, automatização, reforçando ser bom ser humano, tendo por objetivo preservar nosso atual estado, o mais perto de nos.
• Harmonia: busca fundir a humanidade com a vida alienígena do Planeta colonizado, criando formas hibridas, estruturas orgânicas, evoluindo a humanidade para formas adaptadas àquele plano.
• Supremacia: Busca fundir a espécie humana com as maquinas e gerar inteligências artificiais cada vez melhores, e máquinas, cada vez mais precisas, logando e preservando a humanidade numa rede neural virtual gigantesca.
O enredo do jogo é uma batalha entre essas três facções de seres humanos, com um grupo desumanizando o outro ou tratando como inferior. Escolhendo Pureza, no final, você percebe que está matando a evolução da espécie com potencial para a imortalidade, o manejo do tempo, do espaço, as consciências e com um espírito fluido que corre numa rede.

Não é porque trilhamos determinado caminho evolutivo e não outro e que somos como somos que estamos condenados a sermos assim para sempre. Agora, claro, se você defende ideologicamente a "Pureza", teremos valores-de-base diferentes e devemos concordar em discordar. Pense nisso. E, por favor, note que as propostas aqui defendidas evidentemente não sugerem uma implementação agressivamente surpreendente, mas são metas genéricas e utópicas que levam em conta a possibilidade e conveniência de aplicação concreta, em cada contexto específico.

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